Os jardineiros olham para o jardim e não podem determinar nada com precisão. Porque a vida não é uma estrela.
Fui eu quem levantou a questão do sofrimento dos doentes terminais e, com ela, a difícil questão da eutanásia. Julgo-me, portanto, na obrigação de pensar essas questões sob o ângulo da ética.
Diariamente nos defrontamos com dilemas éticos porque eles fazem parte do cotidiano da vida. Ética são os pensamentos que pensamos quando nos encontramos diante de uma situação problemática que nos pergunta: “Que devo fazer para que a minha ação produza o maior bem possível – ou o menor mal possível?”
Essa pergunta pode ser respondida de duas formas diferentes, dependendo da direção do nosso olhar.
Há um olhar que contempla as estrelas e descansa na sua eternidade, perfeição e imutabilidade. Habitando ao lado das estrelas estão os valores éticos que foram criados mesmo antes que delas e gozam da sua imutabilidade. Como se fossem “móveis” e “obras de arte” da mansão divina. Quando surge um problema na terra os olhos procuram a resposta nos céus, morada da verdade eterna de Deus.
Há, entretanto, um outro olhar que não olha para as estrelas por preferir os jardins. Deus começou a sua obra criando as estrelas, mas terminou-a plantando um jardim... A se acreditar nos poemas sagrados Deus ama acima de tudo, mais que as estrelas, o jardim. Está escrito: “... e Deus passeava pelo jardim ao vento fresco da tarde...” Deus ama mais os jardins porque ama mais a vida que as pedras.
Árvores, arbustos, flores são seres vivos. Nelas não há nada que seja permanente. Tudo muda sem parar. Uma folha que estava verde seca e cai. Uma planta que se planta hoje será arrancada amanhã. Um galho onde um pássaro fez um ninho apodrece e tem de ser cortado. O jardim, como a música, tem sua beleza nas constantes e imprevisíveis transformações.
Os astrônomos olham para os céus e podem determinar com precisão a verdade do astro que estão examinando. Os jardineiros olham para o jardim e não podem determinar nada com precisão. Porque a vida não é uma estrela. O jardineiro não olha para as estrelas para decidir sobre o que fazer com o seu jardim. Ele observa a paisagem, examina cada uma das plantas, o que foi verdade ontem pode não ser verdade hoje, vê as transformações, imagina possibilidades não pensadas, cria novos cenários...
A ética da Igreja Católica* é a ética dos olhos que examinam as estrelas em busca da perfeição final eterna. Não é por acidente que ela não tenha escolhido como símbolo para si mesma um jardim. Ela escolheu como seu símbolo uma pedra: Petrus...
A ética que nasce da contemplação das estrelas resolve de maneira definitiva e absoluta os dilemas da vida. Nós, que vivemos no tempo ao lado dos jardins (efêmeros), ao nos defrontarmos com um dilema ético temos de nos perguntar: “O que dizem as estrelas? Que valores estão eternamente gravados nos céus?” Porque a tarefa dos homem é trazer para a terra a perfeição imutável dos céus. A palavra eterna dos céus diz o que nós, seres do tempo, temos de fazer.
E assim se resolvem os problemas que a experiência vem colocando através da história: o homossexualismo, o divórcio, a pesquisa com as células tronco (tantas vidas seriam salvas!), o aborto de fetos sem cérebro, a eutanásia. Porque, examinados os astros, as respostas vieram prontas...
Fonte: Folha de São Paulo - Cotidiano
* A crítica de Rubem Alves é direcionada à Igreja Católica, mais exatamente ao Bento XVI. Mas creio que se aplica não só à ICAR, mas às igrejas cristãs em geral; que possuem uma postura fundamentalista, desvinculada da realidade e mais preocupada com dogmas e doutrinas que com amor e vida.
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Fui eu quem levantou a questão do sofrimento dos doentes terminais e, com ela, a difícil questão da eutanásia. Julgo-me, portanto, na obrigação de pensar essas questões sob o ângulo da ética.
Diariamente nos defrontamos com dilemas éticos porque eles fazem parte do cotidiano da vida. Ética são os pensamentos que pensamos quando nos encontramos diante de uma situação problemática que nos pergunta: “Que devo fazer para que a minha ação produza o maior bem possível – ou o menor mal possível?”
Essa pergunta pode ser respondida de duas formas diferentes, dependendo da direção do nosso olhar.
Há um olhar que contempla as estrelas e descansa na sua eternidade, perfeição e imutabilidade. Habitando ao lado das estrelas estão os valores éticos que foram criados mesmo antes que delas e gozam da sua imutabilidade. Como se fossem “móveis” e “obras de arte” da mansão divina. Quando surge um problema na terra os olhos procuram a resposta nos céus, morada da verdade eterna de Deus.
Há, entretanto, um outro olhar que não olha para as estrelas por preferir os jardins. Deus começou a sua obra criando as estrelas, mas terminou-a plantando um jardim... A se acreditar nos poemas sagrados Deus ama acima de tudo, mais que as estrelas, o jardim. Está escrito: “... e Deus passeava pelo jardim ao vento fresco da tarde...” Deus ama mais os jardins porque ama mais a vida que as pedras.
Árvores, arbustos, flores são seres vivos. Nelas não há nada que seja permanente. Tudo muda sem parar. Uma folha que estava verde seca e cai. Uma planta que se planta hoje será arrancada amanhã. Um galho onde um pássaro fez um ninho apodrece e tem de ser cortado. O jardim, como a música, tem sua beleza nas constantes e imprevisíveis transformações.
Os astrônomos olham para os céus e podem determinar com precisão a verdade do astro que estão examinando. Os jardineiros olham para o jardim e não podem determinar nada com precisão. Porque a vida não é uma estrela. O jardineiro não olha para as estrelas para decidir sobre o que fazer com o seu jardim. Ele observa a paisagem, examina cada uma das plantas, o que foi verdade ontem pode não ser verdade hoje, vê as transformações, imagina possibilidades não pensadas, cria novos cenários...
A ética da Igreja Católica* é a ética dos olhos que examinam as estrelas em busca da perfeição final eterna. Não é por acidente que ela não tenha escolhido como símbolo para si mesma um jardim. Ela escolheu como seu símbolo uma pedra: Petrus...
A ética que nasce da contemplação das estrelas resolve de maneira definitiva e absoluta os dilemas da vida. Nós, que vivemos no tempo ao lado dos jardins (efêmeros), ao nos defrontarmos com um dilema ético temos de nos perguntar: “O que dizem as estrelas? Que valores estão eternamente gravados nos céus?” Porque a tarefa dos homem é trazer para a terra a perfeição imutável dos céus. A palavra eterna dos céus diz o que nós, seres do tempo, temos de fazer.
E assim se resolvem os problemas que a experiência vem colocando através da história: o homossexualismo, o divórcio, a pesquisa com as células tronco (tantas vidas seriam salvas!), o aborto de fetos sem cérebro, a eutanásia. Porque, examinados os astros, as respostas vieram prontas...
Fonte: Folha de São Paulo - Cotidiano
* A crítica de Rubem Alves é direcionada à Igreja Católica, mais exatamente ao Bento XVI. Mas creio que se aplica não só à ICAR, mas às igrejas cristãs em geral; que possuem uma postura fundamentalista, desvinculada da realidade e mais preocupada com dogmas e doutrinas que com amor e vida.
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