domingo, 25 de dezembro de 2011

O Natal e o Cheiro de Deus

Por Edson Fernando, reverendo e escritor.

Disse Angelus Silesius: Nascesse Cristo mil vezes em Belém, mas não em ti, estarias perdido eternamente. Ou seja, para o místico polonês o Natal se plenifica quando o Logos divino é gerado também em nossa alma. Para tal é preciso que saiamos das superficialidades acidentais e mergulhemos na profundidade do essencial. E aquí penso a palavra essencial não no sentido filosófico, como algo imutável em contraposição ao mutante. Penso simplesmente na palavra essência, fragrância, o cheiro que subjaz aos diferentes perfumes da vida. Trata-se portanto de encontrar o verdadeiro cheiro das coisas.

Sair do mundo das perfumarias e penetrar o mundo das essências: Eis o convite da estrela guia, que cumpre o seu percurso ao projetar seu feixe de luz sobre uma criança em Belém. Aquele lugar onde a vida está despida de todas as perfumadas quinquilharias e o essencial se manifesta em sua crueza bela: a fragilidade, a necessidade de cuidado, o milagre da existência. Portanto o Natal é um dinamismo existencial que ultrapassa a Belém do primeiro século. Hoje mesmo o verbo continua sendo gerado. Onde?, pergunta-se Silesius. E responde: Aqui onde em ti perdeste a ti mesmo.

Nesse sentido Maria é para nós o grande modelo, por sua abertura, a radicalidade de seu despir-se para ser ventre do Logos.

Ave aboluto desapego! Ave absoltuta receptividade! Ave virgem de Deus. A virgindade de Maria é mais que um atributo biologico. É uma dimensão da alma que está para além dos gêneros. É preciso ser virgem, disse Silesius, pois só a alma que é virgem pode tornar-se grávida de Deus. Grávidos e grávidas de Deus são aqueles e aquelas que despidos de si mesmos fazem-se encontradiços do embriagante cheiro de Deus. No dizer paulino, o bom perfume de Cristo.

Feliz Natal e, como dizem os baianos, um cheiro pra todo(a)s vcs.

Fonte: Igreja Cristã de Ipanema

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A cultura cristã é superior à islâmica

Por Gabriel Bonis, da CartaCapital.

Em 1992, Ayaan Hirsi Ali foi para a Holanda fugindo de um casamento arranjado pelo pai. No pequeno país europeu, onde viveu como refugiada e depois cidadã, a somali viu seus valores islâmicos entrarem em colapso. Passou de militante da Irmandade Muçulmana à agnóstica, parlamentar e crítica ao Islã.

Na Holanda, despertou a ira dos muçulmanos ao produzir o curta Submissão (2004), no qual uma muçulmana aparece vestida com uma burca parcialmente transparente, enquanto reza e critica o Islã. O vídeo resultou no assassinato de Theo van Gogh, diretor holandês do filme, por um extremista religioso.

Mutilada genitalmente na infância, a autora do best seller de memórias Infiel virou alvo de extremistas religiosos. Atualmente vive sob escolta nos EUA, de onde conversou com o site de CartaCapital, por telefone, sobre seu novo livro, Nômade (Companhia das Letras, 392 págs., R$ 46,00).

O trabalho traz uma postura polêmica da autora: o Ocidente precisa enxergar o perigo do Islã. Ali sugere também que o cristianismo conquiste os muçulmanos para conter os extremistas.

Na íntegra da entrevista abaixo, a somali fala, entre outros tópicos, sobre os valores que enxerga no cristianismo, a proibição do uso de trajes cobrindo o rosto em diversos países europeus e do sexo para as muçulmanas no Ocidente.

CartaCapital – No livro Nômade, a sra. afirma que o Ocidente precisa reconhecer a ameaça do Islã e sugere uma aproximação da Igreja Católica para converter imigrantes muçulmanos. Sua justificativa é de que o cristianismo tem melhores valores que o Islã. Quais seriam esses valores?

Ayaan Hirsi Ali – Como analistas, podemos olhar para diversas religiões e culturas e dizer qual é melhor. Para os politicamente corretos, analisando a perspectiva do multiculturalismo, não há como compará-las, não se deve fazer isso. Contudo, creio que é um desperdício de oportunidade não fazê-lo devido aos desafios do Islã. Olho a cultura islâmica e a cristã e vejo que a cristã passou por um longo período de esclarecimento. As pessoas aceitaram a separação entre a religião, Estado e assuntos de sexualidade, embora isso não se aplique a todos os cristãos. Muitos deles são incapazes de fazer essa separação, mas em geral na cultura cristã ocidental essa separação foi reconhecida e aplicada. Neste sentido, creio que essa nova cultura cristã, que passou por uma reforma e esclarecimento, é superior à cultura islâmica, isenta desse processo. No Ocidente, a Igreja não é a legisladora, a lei é feita de forma independente no Parlamento e no Congresso. As pessoas que as produzem são eleitas por outras pessoas, o presidente dos EUA não é eleito por Deus. Isso é um grande progresso em termos de humanidade se compararmos o cristianismo ao islamismo, um progresso que os muçulmanos ainda não enfrentaram por completo.

CartaCapital – Mas esses itens apontados não estão relacionados apenas com o cristianismo, há aí valores da Revolução Francesa, por exemplo...

domingo, 18 de dezembro de 2011

Sobre manipular antônimos

Por Paulo Brabo, escritor.

As freiras nos ensinaram que há dois caminhos: o caminho da natureza e o caminho da graça. Você tem de escolher que caminho seguir. A graça não tenta agradar a si mesma. Aceita ser menosprezada, esquecida, escanteada. Aceita insultos e ofensas. A natureza só quer agradar a si mesma. Obriga os outros a agradá-la também. Tem prazer em controlar, em impor sua vontade. Encontra motivos para ser infeliz quando o mundo inteiro está resplandecendo ao seu redor, e o amor está sorrindo através de todas as coisas. [A narração inicial de Árvore da Vida, de Terrence Malick]

É sabido que critérios de classificação são coisa sempre arbitrária e artificial, pouco importando o que está sendo classificado, e que portanto as classificações prestam-se com facilidade a servir de ferramentas ideológicas de manipulação. Colocar rótulos sobre as coisas é simplificá-las, e simplificá-las é em si mesmo evitar uma discussão mais profunda (e possivelmente incômoda) sobre a natureza das coisas, do estado das coisas e do que é desejável e legítimo.

Mas não é só classificando, definindo e rotulando que se manipulam ideias e portanto pessoas; outro modo de sustentar uma ideologia é controlando-se os polos, manipulando-se artificialmente os antônimos de conceitos que são fundamentais para a manutenção do estado de coisas. “Qual é o contrário de [determinada coisa]” é uma pergunta que tem quase sempre uma resposta política.

Qual é o contrário de governo? Qual é o oposto de religião? Qual é o contrário de democracia[1]? As respostas ao mesmo tempo muito vagas e muito definidas que tendemos a imaginar para perguntas dessa natureza testemunham por si só o status de vaca sagrada de cada um desses conceitos, e explicam também porque é tão raro que nos façamos esse tipo de pergunta. “Qual é o contrário disso?” pode também significar “existirá uma alternativa a isso?”, e uma resposta não-determinada para questões desse tipo pode representar um risco muito real para o sistema.

Sendo assim, determinar-se em regime artificial o antônimo de um conceito pode equivaler a garantir que jamais se encontrará uma alternativa ideológica legítima para ele. É certificar-se que a reflexão não ameace o estado de coisas. Dizer-se, por exemplo, “o contrário de capitalismo é socialismo” é assegurar que grande parte da sociedade entenda que os horrores atribuídos ao segundo garantem que não há verdadeira alternativa para o primeiro.

Se digo tudo isso é só para declarar o óbvio, que o oposto de capitalismo não é socialismo. O oposto de capitalismo é vida, gentileza, liberdade e convivência – aquilo que em outro tempo se convencionava chamar de cristianismo.

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[1] Ou, ainda, qual é o contrário de heterossexual? O termo oposto preferencial tem sido “homoafetivo”, que alia à baixeza do politicamente correto as vergonhas da simplificação e da incorreção. Porque os heterossexuais, em especial os homens, são em geral grandes homoafetivos – no sentido de que sentem-se mais à vontade para demonstrar verdadeiro afeto a outros homens do que a mulheres, e (sem contar os confortos ou as esperanças da cama) tendem a procurar mais a companhia de outros homens do que a de mulheres.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Causa ecológica e causa antropólogica

por Lucien Sève, filósofo e escritor.

Tão urgente quanto a ecológica, a causa antropológica é, por ora, pouco pensada. Situação dramática. Uma tarefa crucial se impõe, portanto, aos que se aventuram em invocá-la: é preciso se arriscar a propor pelo menos um rascunho de temas principais suscetíveis de estruturar o pensamento da humanidade em perigo

O planeta Terra, essa forma de designar nosso hábitat natural, vai mal a um ponto alarmante; mas a consciência sobre o tema se ampliou e hoje não há formação política que não inclua em seu discurso a causa ecológica. O planeta Homem, forma de designar o gênero humano, está mal a um ponto também alarmante; porém, a consciência sobre o tema ainda não é equivalente a seu nível de gravidade e não há formação política que inclua a causa antropológica. Um contraste assombroso.

Pergunte aos menos politizados o que é a causa ecológica. Certamente, saberão dizer que o aquecimento global causado pelos gases de efeito estufa produzirá uma era de catástrofes; que a poluição da terra, do ar e da água atingirá níveis insuportáveis; que o esgotamento dos recursos naturais não renováveis condena nosso modo de consumo atual. Mais de um deles acrescentará as ameaças à biodiversidade para concluir sobre a urgência de reduzir a pegada ecológica dos países ricos.

Como eles sabem disso tudo? Pelos meios de comunicação, em que a informação ecológica é uma constante. Pelas experiências diretas, desde o clima até o preço do combustível. Pelo discurso de cientistas e políticos que constroem esses saberes parciais como visão globalizada e os convertem em programa político. Ao longo das últimas décadas, assim foi construída uma cultura que dá coerência às mais diversas motivações e iniciativas das quais é feito esse grande tema, a causa ecológica.

Pergunte agora aos menos politizados sobre a causa antropológica. Nenhum deles entenderá exatamente do que se trata. Explicitamos: pense que a humanidade está tão mal quanto nosso planeta, que a civilização do gênero humano está em verdadeiro perigo, de modo que, para salvar a natureza com urgência – causa ecológica –, é necessário, na mesma medida, salvaguardar a humanidade no sentido qualitativo do termo – causa antropológica. A interpelação pegará o interlocutor desprevenido. Muitos a considerarão excessiva. Certamente, a pessoa pensará em questões inquietantes, como a duração das condições de existência, a onda crescente de individualismo, a desmoralização da vida pública, as angústias em relação ao futuro. Mas a ideia de que nossa humanidade estaria em perigo na mesma medida em que o planeta soaria, sem dúvida, aberrante.

Insistimos. Em muitos sentidos, não estamos a caminho de um mundo humanamente inviável? A velha máxima “o homem é o lobo do homem” não tende a ser lei? O trabalho, exemplo maior, entrou em um declínio inquietante devido às dificuldades crescentes de proporcionar atividades gratificantes e de qualidade, à competição sistemática, à erradicação voluntária do sindicalismo, à pedagogia do “aprenda a vender-se”, à gestão empresarial baseada no terror (a ponto de gerar suicídios nos locais de trabalho), à ditadura onipresente da rentabilidade dos números, à voracidade acionária, à inflação e ao patrão criminoso. Não se trata de uma verdadeira desumanização em curso?