terça-feira, 25 de outubro de 2011

Deus, unplugged

Por Peter Rollins, filósofo e escritor.
Tradução: Paulo Brabo

Perto do final da vida o teólogo e ativista Dietrich Bonhoeffer começou a preocupar-se com o fato de que a compreensão cristã de Deus havia sido em grande parte reduzida ao status de uma muleta psicológica. Ele descreveu essa compreensão como um “Deus ex machina”.

A expressão, que significa “deus proveniente de uma máquina”, refere-se originalmente a uma técnica usada na Grécia antiga, pela qual uma pessoa era descida ao palco através de um mecanismo, a fim de representar a entrada em cena de um ser sobrenatural. O processo, no entanto, ganhou uma má reputação quando muitos dramaturgos de segunda categoria começaram a usar esse artifício de modo indolente e arbitrário. Quando queriam matar um personagem, criar um novo desafio para o protagonista ou resolver um conflito do enredo, essas caras simplesmente arriavam um deus história adentro. Desse modo, o ser sobrenatural não era parte orgânica da história, mas uma presença intrusiva empregada unicamente para fazer o enredo avançar ou resolver alguma questão.

A expressão deus ex machina passou a significar a introdução de um elemento que não faz parte da lógica interna do desdobramento de uma história, mas que é na verdade um artifício deselegante despejado na narrativa só para desempenhar um papel específico.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A tinta vermelha: discurso de Slavoj Žižek aos manifestantes do movimento Occupy Wall Street

Por Slavoj Žižek, filósofo e psicanalista.
Tradução: Rogério Bettoni.

Não se apaixonem por si mesmos, nem pelo momento agradável que estamos tendo aqui. Carnavais custam muito pouco – o verdadeiro teste de seu valor é o que permanece no dia seguinte, ou a maneira como nossa vida normal e cotidiana será modificada. Apaixone-se pelo trabalho duro e paciente – somos o início, não o fim. Nossa mensagem básica é: o tabu já foi rompido, não vivemos no melhor mundo possível, temos a permissão e a obrigação de pensar em alternativas. Há um longo caminho pela frente, e em pouco tempo teremos de enfrentar questões realmente difíceis – questões não sobre aquilo que não queremos, mas sobre aquilo que QUEREMOS. Qual organização social pode substituir o capitalismo vigente? De quais tipos de líderes nós precisamos? As alternativas do século XX obviamente não servem.

Então não culpe o povo e suas atitudes: o problema não é a corrupção ou a ganância, mas o sistema que nos incita a sermos corruptos. A solução não é o lema “Main Street, not Wall Street”, mas sim mudar o sistema em que a Main Street não funciona sem o Wall Street. Tenham cuidado não só com os inimigos, mas também com falsos amigos que fingem nos apoiar e já fazem de tudo para diluir nosso protesto. Da mesma maneira que compramos café sem cafeína, cerveja sem álcool e sorvete sem gordura, eles tentarão transformar isto aqui em um protesto moral inofensivo. Mas a razão de estarmos reunidos é o fato de já termos tido o bastante de um mundo onde reciclar latas de Coca-Cola, dar alguns dólares para a caridade ou comprar um cappuccino da Starbucks que tem 1% da renda revertida para problemas do Terceiro Mundo é o suficiente para nos fazer sentir bem. Depois de terceirizar o trabalho, depois de terceirizar a tortura, depois que as agências matrimoniais começaram a terceirizar até nossos encontros, é que percebemos que, há muito tempo, também permitimos que nossos engajamentos políticos sejam terceirizados – mas agora nós os queremos de volta.

Dirão que somos “não americanos”. Mas quando fundamentalistas conservadores nos disserem que os Estados Unidos são uma nação cristã, lembrem-se do que é o Cristianismo: o Espírito Santo, a comunidade livre e igualitária de fiéis unidos pelo amor. Nós, aqui, somos o Espírito Santo, enquanto em Wall Street eles são pagãos que adoram falsos ídolos.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Confissões de um ex-apologeta

Por José Barbosa Jr, escritor e pensador.

Já faz algum tempo que quero escrever sobre este tema. Principalmente por causa da explosão de blogs e sites “apologéticos” nos últimos anos, a maioria deles de conteúdo, no máximo, razoável.

Fico à vontade para falar do assunto, pois logo após minha conversão, me transformei num “apologeta”. Estudei por mais de 15 anos seitas e heresias, tendo feito palestras sobre várias “seitas” e “heresias” em muitas igrejas nos Estados do Rio e do Pará. Especializei-me em Testemunhas de Jeová, Mórmons e Maçonaria. Também pesquisei bastante o material dos adventistas, considerado por muitos estudiosos uma seita “pseudo-cristã”. Em Belém do Pará cheguei a dirigir uma pequena missão “especializada” em dar palestras e equipar as igrejas com apostilas e material para a “evangelização” desses grupos religiosos.

Além disso, devido a minha experiência como católico praticante e fervoroso, tornei-me logo um defensor da “sã doutrina” evangélica, mostrando os erros da igreja católica em muitas palestras e apostilas. Fiz vários estudos sobre o tema e amizade com ex-padres e pessoas oriundas das mais diversas seitas.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O Livro da Vida, ou por que as pessoas morrem

Por Nilton Bonder, rabino e escritor.

No período de dez dias que vai do Ano Novo Judaico até o Dia do Perdão os judeus oram intensamente para serem inscritos no Livro da Vida. Rege a tradição que um grande Livro do Destino se abre neste período e nele se inscrevem os acontecimentos: quem viverá e quem morrerá; quem pela água, quem pelo fogo; quem pela espada (bala perdida), quem pela fome; quem pela tempestade, quem pela epidemia.

Mas vai aqui um grande mal-entendido universal: a vida nada tem a ver com destino. Ficamos fascinados pelo destino achando que ele é a nossa história. Muito pelo contrário: qualquer destino já decretado não é a nossa história, mas uma história. A nossa história tem a ver com escolhas. E é dessa responsabilidade que fala o tal Livro que se abre para todos e que expressam em rito os judeus neste momento de seu calendário.

Esse não é um livro das limitações (da Morte), mas das competências e incompetências (da Vida). Nele se registram as capacidades e incapacidades de viver nossas próprias vidas. E quando não vivemos nossa própria história, quando vivemos destinos, então experimentamos uma imagem de nós e do mundo distorcida. São os ditos fantasmas. São assombros de nós mesmos provenientes do mundo dos mortos — da vida não assumida, das oportunidades evadidas.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Pastor presbiteriano abandona preconceito e se torna uma das principais vozes contra a intolerância religiosa

Por Clarissa Monteagudo do Jornal Extra

Na primeira Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa em 2008, o pastor Marcos Amaral, da Igreja Presbiteriana de Jacarepaguá, aceitou o convite do babalaô Ivanir dos Santos, seu amigo dos tempos de articulação política, para representar os evangélicos. Foi na cara e na coragem, como diz. Ao ver a multidão em trajes afro, o pastor gelou. Até então, aquela imagem era associada ao demônio. Apavorado, Marcos Amaral buscou refúgio no alto do carro de som. Mas, ao descer, o pedido de uma senhora fez o líder mudar de rota e se tornar hoje uma das principais vozes em defesa da liberdade religiosa.

— Eu estava morrendo de medo. Nunca tinha estado em contato com “essa gente” porque, para mim, nessa época, não eram pessoas. Quando desci, pensei em ir embora. Quando estava saindo, uma jovem correu atrás de mim e me pediu para tirar uma foto com a mãe dela. Vi uma senhora negra com roupas de baiana. Ela me pediu: “O senhor pode orar por mim?” e botou a minha mão no turbante dela. Aquela velhinha me quebrou. Nunca mais a vi, mas ela nunca saiu de mim — lembrou o pastor.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Crise da Igreja lembra período da Reforma

Teólogo diz que excessiva concentração de poder nas mãos do papa impede as mudanças necessárias para conter fuga de fiéis

Crítico do papa Bento XVI e de seu antecessor, João Paulo II, o teólogo Hans Küng, de 83 anos, afirma que a Igreja Católica só vai recuperar os fiéis que perdeu nos últimos anos se abandonar o sistema centralizador na figura do papa - que ele compara a um monarca absoluto - e retomar o legado de reformas democráticas do Concílio Vaticano 2.º. "O momento é de mudança, e o papa e os bispos estão cegos, como há 500 anos, na época da Reforma."

Muitos católicos acham que o acobertamento dos abusos sexuais de crianças por padres afastou fiéis da Igreja. O que está errado na Igreja?

Se você encara a questão em palavras tão simples, darei uma resposta igualmente simples. O antecessor de Joseph Ratzinger (atual papa Bento XVI), João Paulo II, lançou um programa de restauração política e eclesiástica que contestava as intenções do Concílio Vaticano 2.º. Ele queria uma recristianização da Europa. E Ratzinger era o seu mais leal assistente, desde o início. Poderíamos chamar aquela época como um período de restauração do regime romano anterior ao concílio.