sexta-feira, 19 de março de 2010

Mentoria - Dúvidas que geram perguntas

Por Ricardo Gondim

Querido José,

Retomo à Mentoria. Não sejamos pretensiosos em achar que vamos desatar todos os nós de nossas dúvidas. Almoço e janto inquietações; acordo com pulgas atrás das orelhas. Corro como um renegado pelas ruas de São Paulo, mas não paro de meditar nos mistérios do transcendente.

Entretanto, ouso peitar essas agitações do espírito não com respostas chapadas, mas com mais indagações.

Na praça pública da internet, lembre-se, divido minhas desconfianças e coloco a cabeça no cepo. Se me atrevo a trabalhar essas questões é porque acredito que em tempos sísmicos como os atuais, é possível uma terceira via na missão cristã. Vamos ponto por ponto:

1. Precisamos resgatar as diferentes ênfases da missão de Jesus quando esteve neste mundo.

a) Qual o modelo de cristológico para a igreja? O do Cristo ressurreto e escatológico ou o do Cristo servo sofredor? (Antecipo-me em responder: o do Emanuel sofredor).
b) Por que Jesus não insistiu em formar um grupo, um movimento? Por que liberou as pessoas a voltarem para casa? Como se daria o “discipulado” do Gadareno, por exemplo, que Jesus mandou retornar à sua família?
c) As exigências de tornar-se um discípulo de Jesus não mostravam consistência programática. Para alguns ele ordenava que o seguissem, para outros que distribuíssem o que possuíam com os pobres, para outros que tivessem fé, para outros que aprendessem a amar. Por quê?

2. Precisamos entender a contribuição de Paulo de Tarso na gestação do cristianismo que prevaleceu no Ocidente.

a) A teologia paulina deve ser considerada como “uma” contribuição ou “a” principal - em alguns círculos, única chave de interpretação da mensagem de Jesus? As teologias de Pedro, João e Tiago não devem ser consideradas diferentes e até conflitantes com a de Paulo?
b) Podemos entender que para aquela determinada circunstância cultural, histórica, política e moral a abordagem de Paulo sobre o cristianismo faz sentido. Porém, dentro da teologia dos evangelhos e do próprio Jesus Cristo, existe espaço para reconceituar-se a missão cristã nos dias atuais?
c) Em que uma nova evangelização divergiria da evangelização paulina? (Continuo a antecipar-me: teríamos que reconceituar o que significa “crer”; e eu acredito que o “crer” Paulino não possuí hoje o mesmo sentido ou a mesma relevância da antiguidade).
d) Não é necessário criticar ou mutilar a teologia de Paulo, mas enquadrá-la como uma das mais ricas contribuições para a definição da fé, porém, não a única. Assim será possível ler Tiago com outra atitude. Não serão necessárias ginásticas para conciliar algumas declarações de Paulo com as afirmações de Tiago do tipo “a fé sem obras é morta”. As duas contribuições são distintas, relevantes em circunstâncias diferentes, sem serem excludentes.

3. Precisamos identificar a influência grega na formação teológica do cristianismo a partir de Santo Agostinho.

a) Está obvio que o cristianismo absorveu pressupostos gregos quando se organizou teologicamente. Nos séculos, houve uma separação acentuada do que Jesus disse à Samaritana: “A Salvação vem dos judeus”. Acredito que esta frase engloba não apenas a promessa de que o Messias seria judeu. Ao declarar que a salvação vem dos judeus, ele ligou o arcabouço conceitual da fé cristã ao judaísmo. É notório que a construção teológica atual segue uma lógica filosófica e conceitual grega, distante das narrativas míticas e poéticas dos judeus. A pergunta insiste: é possível considerar a contribuição da cosmovisão judaica sem resvalar na antiga tentação de tornar o cristianismo um movimento judaizante?

4. A Queda e seus desdobramentos – a chegada do Reino e a reconstrução de novos homens e mulheres – Esse ponto é vital para qualquer reconceituação da fé no Terceiro Milênio.

a) Como entender a queda e a universalização do pecado? Na pedagogia moderna, os processos de aprendizado precisam de espaço para o erro. Se maturidade acontece em decorrência de tropeços; “pecar” seria essencial na formação da maturidade humana. Até que ponto a humanidade está realmente danada ao fogo do inferno por ser apenas humana? Por que as narrativas do Antigo Testamento revelam em alguns casos condescendência de Deus para atos não tão dignos por parte de Abraão, Moisés, Gideão. Por que as leituras radicais do pecado de Adão e Eva no Gênesis? Será que Deus é tão punitivo e tão radical no trato de pessoas, aprendizes na difícil arte de viver?
b) O que define a exclusão de indivíduos no convívio com Deus? Existem pessoas verdadeiras, que não têm necessariamente um compromisso conceitual com Deus, mas vivem com valores parecidos com os do Reino? Cornélio? A função dos pastores do novo milênio poderia ser, transmitir os valores do Reino sem atrelar uma relação institucional com a igreja?

Bem, amigo, eis algumas inquietações que tiram o sono.

Vamos pensar mais.

Reverências,
Ricardo
Soli Deo Gloria


O EFEITO BIG MAC

Por Marco Antônio Oliveira

Outro dia, levando meus filhos para almoçar no McDonald's, me peguei matutando um assunto que me incomoda muito. E me lembrei disso ao comer um Big Mac.

Não sei quem de vocês já percebeu isso, mas o Big Mac não tem nada de Big mais. Não tenho como provar isso, mas a impressão que passa é que, ao passar dos anos, ele foi ficando cada vez menor e mais pobre.

E isso não é exclusividade da rede americana: o venerando Bob's é pior ainda. Quem, como eu, foi criado no Rio de Janeiro certamente se lembra da montanha de carne e pão macio, recheados de muito, mas muito molho e alface e cebola picados, que era o Big Bob. Comíamos o lanche de pé, mas era tão bom, tão tenro e suculento e grande, que ainda assim a gente adorava. Era bom para CARAMBA, acreditem.

Veja um sanduíche desses hoje: uma lamentável coisinha insossa, pequena e decadente. Pão mal ajambrado, carne sem suco ou gosto, um pouquinho de molho sem graça. Comer um Big Bob era algo que se fazia com coragem e vontade, prestando atenção, porque molho transbordava para todo lado. Era uma delícia, um prazer simples perdido para sempre.

E por que isto aconteceu? Eu tenho uma teoria, and I think it's a Duesy!

Uma empresa, a cada ano que passa, tem que crescer. Não me pergunte por que, mas é regra. Quem não cresce (leia-se aumenta o lucro) a cada ano é exemplo de empresa estagnada, ineficiente, supostamente um local triste onde ninguém lê "VOCÊ S.A". Ninguém quer isso, não, feio, tabu! Mas como aumentar todo ano num mercado que cresce pouco, e seu produto, bem, é o mesmo sempre? Um dia, alguém teve a maravilhosa ideia de tirar 0,05 grama de alface do sanduba, o que equivalia a, sei lá, à milionésima parte de um centavo de economia. Multiplicado pelo mundaréu de Big Mac que se faz por dia nos shopping centers de todo o mundo... Milhões de dinheiros de lucro. E, olha só, nenhum consumidor nem percebeu!

Até aí tudo bem, até que o mesmo procedimento foi usado para o molho especial secreto (maionese com catchup, como sempre), e depois para os dois hambúrgueres, para o queijo, a alface, a cebola e até o pobre picles. Depois, sem mais ingredientes para mutilar, esqueceram-se que já tinham tirado alface uma vez há uns anos atrás, e tiraram mais um pouco. Mas agora, os objetivos de lucro eram bem maiores, e então, além de tirar logo uma grama inteira duma vez, foram lá e decidiram comprar alface de qualidade "B", e deu muito certo, porque de novo ninguém percebeu! As pesquisas de opinião não mostravam ninguém reclamando do peso da alface! E as vendas continuam aumentando, e o lucro sobre elas também, então está tudo certo.

Agora multiplique esse comportamento por 30 anos, e podemos entender por que quando estava na faculdade eu adorava aquela gordurosa e suculenta montanha de carne e pão, e hoje, bem... Tenho que comer aquele ridículo e caro sanduichinho safado para minhas crianças ganharem um boneco de plástico chinês vagabundo do Avatar.

E o que isto tem a ver com carros, diria o impaciente leitor? Tudo! Esta teoria foi formulada porque eu conheço como funcionam os fabricantes de automóvel modernos. Eles têm enormes departamentos cujo objetivo único é fazer "otimização de valor" do produto, o que traduzido para o português significa "sacanear o comprador". A lógica é a mesma explicada acima: seis meses depois do lançamento, depois que todo mundo já conhece e gostou do carro, o cara vai lá e tira um parafuso, um “pqp”, um pedaço de carpete, qualquer coisa. Os caras são como urubus mesmo, procurando uma forma de dar menos ao cliente sem que ele possa perceber, e obviamente sem mudar o preço do carro.

Todo fabricante tem estes departamentos, e eles trabalham com um budget reverso: os objetivos são contabilizados como lucro antes de acontecer, o que aumenta sobremaneira a pressão nos pobres funcionários. É por causa disso que quando você trocou seu carro por outro igual, mais novo, sentiu falta de um “pqp”, de uma soleira de porta de plástico, e percebeu que o tecido dos bancos, antes felpudo e gordo, é no carro mais novo algo que parece ter sido confeccionado a partir de pelo de rato trançado.

Pouco a pouco, a qualidade do produto decai como um todo. Mas como gente continua comprando, e cada caso é analisado separadamente, a empresa não percebe o mal que faz. Re-fraseando: não se importa com o mal que faz. Realmente, não podíamos esperar menos: ganhar dinheiro é só o que importa, e quando a grana vira Deus, o fim e o objetivo supremo, é isto que recebemos em troca. Fazer algo corretamente? Tentar melhorar algo? Para quê? Piorar dá mais dinheiro!!!!

Antigamente, se dizia que se devia esperar um ano para comprar um novo produto, para evitar problemas ainda não resolvidos. Ainda é verdade, mas aos seis meses já se tem os depenadores em ação. O que fazer então? Olha, tenta reclamar com o bispo...

PS: Um amigo me chamou a atenção de que as reclamações dos compradores de carros novos são ouvidas sim, ficam num banco de dados que é usado como referência para novos projetos. Normalmente, se veta itens que tenham qualquer reclamação de cliente, porque reclamações são na verdade, raras para itens do tipo que coisa que descrevi no post.

Então nada de Bispo; reclamem sim com os fabricantes sempre que perceberem algo deste tipo, seja por e-mail, seja pela pesquisa que é sempre enviada via correio para os compradores. Ajuda e é importante para mudar este nefasto comportamento.

E o amigo CZ lembrou de outra coisa: os japoneses não tem este tipo de departamento em suas empresas. Nisto, são claramente melhores que a indústria mais antiga.


terça-feira, 2 de março de 2010

Curso ensina pastor a ser empresário da fé

Por JOÃO FELLET

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A seara exige obreiros empreendedores, criativos, capazes de trabalhar em grupo e de liderar com visão global

Desmerece a obra de Deus aquele que se nega a entregar o dízimo. Deus não é mendigo e não precisa de resto

A igreja é uma empresa, e uma empresa difícil de ser conduzida porque o seu estoque são almas

O ser humano é interesseiro e quer que a igreja manifeste a presença de um Deus vivo com retorno imediato

O povo não pode ouvir os obreiros falar sobre as doenças deles. Como crerão se o próprio mensageiro não recebe a benção na prática?

Frases do "Curso de Formação de Pas­tor" do SBTe

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A cartilha dos grandes empresários diz que, para se dar bem nos negócios, é fundamental estar atento às mudanças na sociedade, empregar com eficiência a propaganda, estudar o público-alvo, cuidar bem dos funcionários e vigiar a concorrência. Pois essas regras também valem para os que desejam abrir a própria igreja evangélica, segundo um curso oferecido pelo Seminário Brasileiro de Teologia (SBTe).

Uma frase presente na apostila do "Curso de Formação de Pastor" dá o tom do seu conteúdo: "A igreja é uma empresa, e uma empresa difícil de ser conduzida, porque o seu estoque são almas". Partindo da premissa de que os meios de comunicação transformaram a sociedade, o curso convoca os pastores a uma adaptação aos novos tempos: "As igrejas que não seguirem a cultura dos povos tendem a ficar vazias". A advogada e aluna do curso Laudicéia Koschitz, 39, concorda. Não acha errado, por exemplo, que as evangélicas se embelezem. "A mulher é uma obra maravilhosa de Deus e precisa se arrumar."

Hoje, diz o curso, o pastor deve ser "empreendedor, criativo, capaz de trabalhar em grupo e de liderar com visão global". As igrejas pentecostais já parecem ter entendido. Em 2002, segundo pesquisa do Eseb (Estudo Eleitoral Brasileiro), seus seguidores já eram 11,1% do total da população, número quatro vezes maior que em 1980. Para aproveitar esse crescimento vertiginoso, o curso lista atitudes que devem ser tomadas pelo pastor empreendedor. Antes de abrir uma igreja, por exemplo, ele deve estudar a região e o público-alvo. Se o local for pobre, ajudam a atrair gente a distribuição de lanches e o sorteio de cestas básicas. Na Assembléia de Deus do Jardim do Apurá (zona sul de São Paulo), o fiel que fica até o fim do culto recebe um cachorro-quente.

É importante ainda que o pastor seja "um ator, um dramaturgo" para "acomodar o povo, chamar a sua atenção e fechar a sua boca". Para ser eficiente, ele é aconselhado a se alimentar bem e a se exercitar com musculação e corrida. Quando tiver de ministrar por tempo muito longo, deve evitar o sexo nos quatro dias anteriores.

Marcelo de Souza, 36, é um aluno que concorda com a importância do preparo físico. Se não jogasse futebol sempre que possível, talvez não conseguisse andar sem parar enquanto prega e nem ficar na ponta dos pés nos momentos mais dramáticos.

Outro fator determinante para o sucesso é pregar conforme a vontade do público. Em geral, diz o curso, pessoas mais pobres tendem a gostar de "ver coisas sobrenaturais" (como sessões de exorcismo), de dançar, cantar e ouvir o pastor falar em línguas estranhas (glossolalia).

Também se deve empregar o maior número possível de fiéis na igreja. "Os que participam e se sentem valorizados não migram para outra igreja, pagam o dízimo todo mês e trazem a família e amigos para vê-los."

"O curso se vale dos melhores textos da área de administração e ensina recursos que uma empresa moderna utiliza para se manter competitiva num mercado globalizado", diz o coordenador do MBA de Marketing da Fia (Fundação Instituto de Administração), Dilson Gabriel dos Santos.

Para o professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (Universidade de São Paulo) Antônio Sauaia, o curso ensina uma técnica utilizada por empresas de produtos de consumo, que atraem o consumidor por meio de vendedores que vivem no mesmo bairro dele.

Administração eclesiástica

A apostila é dividida em cinco módulos. Os quatro primeiros, com 75 páginas, tratam da legislação sobre a prática religiosa (como obter subvenções do poder público, por exemplo), das diferenças entre as principais correntes evangélicas, da importância do emprego de técnicas de oratória na pregação e de como convencer os fiéis a pagar o dízimo.

O quinto e maior, com 63% do total de páginas, é intitulado "Administração Eclesiástica". Nele, são indicados "projetos para multiplicar a quantidade de membros, templos e de caixa da igreja a cada 90 dias".

O curso pode ser encomendado pela internet (www.cursodepastor.com.br) ou por telefone, custa R$ 450 e deve ser feito por correspondência em prazo estipulado de 90 dias.

Ao seu final, o aspirante a pastor deve enviar por correio à instituição, que tem sede em Ituiutaba (MG), as respostas a um questionário que fica nas últimas páginas da apostila. Se aprovado, ganha um diploma e uma carteirinha que, segundo o SBTe, "pode ser aproveitada em qualquer das diferentes denominações de igrejas evangélicas".

O guru dos pastores

O pastor Omar Silva da Costa, 49, é o criador deste e de outros 17 cursos por correspondência também oferecidos pela internet. Os mais caros, chamados de "Bacharelado em Teologia Eclesiástica", "Mestrado em Bíblia" e "Doutorado em Divindade", custam, respectivamente, R$ 750, R$ 1.050 e R$ 1.350. Todos também têm duração de 90 dias e dão direito a carteirinha e diploma "para enriquecer o currículo".

"Decidi oferecer os cursos assim, por correspondência, porque muita gente não tem condições de pagar escolas caras e passar quatro ou cinco anos estudando até se tornar pastor. Além disso, não há escolas de teologia em todas as cidades brasileiras." Segundo Costa, o curso de formação de pastor, oferecido desde fevereiro deste ano, já foi vendido a mais de 500 pessoas --se o número estiver correto, as vendas já renderam R$ 225 mil, pelo menos. A procura tem sido tão boa que, no curso, ele prevê: "Em pouco tempo vai haver nas faculdades cursos de administração de igreja, como já há de administração hospitalar".

Fontes: IBGE e Eseb (Estudo Eleitoral Brasileiro)

Fonte: Folha Online

Nietzsche e Jesus: dois extremos que se tocam?

Todo crente é de certo modo um ateu, pois a afirmação da sua crença implica quase sempre a negação de outras crenças e deuses; mais claramente: para ser cristão, é preciso negar ou ignorar o islã, o judaísmo, o budismo, o hinduísmo, a umbanda, o panteísmo, o zoroastrismo etc.; e vice-versa; ou seja, para acreditar em Javé, por exemplo, é preciso desacreditar outros deuses com a mesma autoridade ou dignidade: Zeus, Apolo, Amon, Crom, Thor, Odin, Baal, Alá, Shiva, Brahma, Vishnu, Ogum, Ísis, Iansã, Jaci e outros tantos. Por isso, o “meu Deus” e a “minha religião“ excluem a crença, o deus e a religião dos outros, pois só a “minha fé” e o “meu Deus” são verdadeiros; tudo mais é falso. Afinal, a crença, a religião e o deus dos outros não passam de superstições, crendices, coisas diabólicas etc;

Dizer que só existe um deus, o “meu Deus”, é tão insensato quanto dizer que só existe um idioma, o “meu idioma”, um país, o “meu país” etc., como se só “eu” existisse;

Somos cristãos pelas mesmas razões que somos brasileiros e não franceses ou italianos e, pois, falamos português e não francês ou italiano: somos herdeiros da colonização e toda tradição de lutas, conquistas e violências que nos precedeu, isto é, uma história de extermínio de povos, culturas, mitos, línguas, religiões e deuses. Trata-se, portanto, de algo acidental: se fôssemos colonizados pelos chineses, seríamos budistas e falaríamos chinês ou mandarim; se fôssemos colonizados pelos árabes, seríamos muçulmanos e falaríamos árabe. O deus ou deuses de hoje são a mitologia e as fábulas de amanhã;

Toda doutrina, política, moral ou religiosa que pressupõe ou propõe unidade é falsa, tirânica, má e contrária à natureza e à vida, pois a vida, e tudo a que se refere, é múltipla, plural, diversa e em permanente mutação; é preciso presunção, ingenuidade e intolerância para crer assim;

Em geral toda forma de violência tem algum bom pretexto ou uma bela e sonora metáfora; em nome de Deus, por exemplo, foram cometidas as mais terríveis violências: a noite de São Bartolomeu, o extermínio dos cátaros (ou albigenses), as cruzadas, a inquisição, os massacres patrocinados por Moisés (Êxodo, 32: 27 e 28) ou Josué (6:21) e seus atuais seguidores: Bin Laden, Bush, entre outros; Deus e o diabo são inocentes, mas não quem os invoca;

O cristianismo (o islã etc.) depende do pecado e do pecador tal qual os presídios, de presos, os cemitérios, de cadáveres, os senhores, de escravos; o cristianismo (re) inventou o pecador (e o pecado) não para libertá-lo, mas para escravizá-lo (a expressão “servo de deus” não existe por acaso) e manipulá-lo; enfraquecê-lo, portanto; pior: pretende ser a cura da doença por ele criada: o pecado;

Crer em Deus significa crer naqueles que se dizem conhecê-lo ou representá-lo; logo, submeter-se à vontade de Deus significa submeter-se à vontade daqueles que se dizem representá-lo;

Se cães e gatos pudessem representar seus deuses, certamente os representariam na forma de cães e gatos, e com variações: um pastor na forma de pastor etc. (Xenófanes, revisto); também assim são os homens, que criam seus deuses à sua imagem e semelhança, os quais variam no tempo e no espaço, inevitavelmente;

De acordo com um crente, todos, à exceção daqueles que compartilham de sua fé, estão no pecado e vão para o inferno ou algo assim; há hoje tantas denominações (algumas autênticas empresas comerciais) e doutrinas tão díspares e contraditórias (uma nova Babel) que já não temos certeza se o cristianismo é uma religião monoteísta e se ainda se venera o Cristo ou o dinheiro;

Se Deus fosse julgado por um tribunal isento, seria fácil acusá-lo e difícil absolvê-lo, porque, ou bem seria condenado por omissão: deixar que toda sorte de injustiças, crimes e desastres aconteçam sem nada fazer, embora pudesse fazê-lo e evitá-lo; ou bem seria condenado por ação: se Ele é onipotente, onipresente e onisciente, que tudo sabe, tudo pode e tudo vê, então, todas as violências e crimes são obra sua, e os homens são apenas instrumentos de sua obra, boa ou má; afinal, os homens atuariam segundo a sua fria e calculada programação, tal qual a morte de seu próprio filho: um homicídio doloso e premeditado;

Erros, decepções, traições, doenças e mortes, por mais que nos causem dor e sofrimento, são inevitáveis e são, pois, a própria vida; tal qual os animais e plantas, nascemos, crescemos, adoecemos e morremos inevitavelmente; como os frutos de uma árvore, que precisam amadurecer, cair, apodrecer e soltar suas sementes para que outras árvores e frutos germinem e frutifiquem, assim também são os homens: nascemos para a morte e morremos para a vida (Heráclito). Convém, por isso, enfrentar a vida, e tudo de bom e ruim que ela implica, com dignidade, galhardia e humor inclusive;

Um Deus que quisesse ser adorado e não apenas temido jamais nos tentaria ou corromperia com promessas de recompensa (céu, vida eterna etc.) nem nos chantagearia com ameaças de morte, inferno etc.; nem tampouco incentivaria a subserviência, e, pois, a dissimulação, nem condenaria a crítica e a rebeldia necessárias; um Deus assim não precisaria de servos, nem estes Dele;

Eu só acreditaria num Deus que não fosse tirânico, ciumento, mesquinho, injusto, cruel, vingativo, misógino, homofóbico, racista. Eu só acreditaria num Deus que fosse grande e justo e maduro e sábio o bastante para saber amar as pessoas como elas realmente são e não como Ele gostaria que elas fossem; eu só acreditaria num Deus capaz de perceber o que há de grande e pequeno e divino em cada um de nós para além de todo preconceito; um Deus, enfim, que tratasse judeus e palestinos, crentes e ateus, homens e mulheres, hétero e homossexuais, prostitutas e criminosos com a mesma dignidade, com o mesmo respeito; afinal, ainda que tenhamos o dom de profetizar e conheçamos todos os mistérios e toda a ciência, ainda que tenhamos tamanha fé, a ponto de transportar os montes, se não tivermos amor, nada seremos (Coríntios 1: 13);

A distinção entre os atos bons e maus, entre os atos de deus e do demônio, e, portanto, a distinção entre deuses e demônios, não preexiste à interpretação, mas é dela resultado;

Jesus tinha razão: o reino de Deus - e também do demônio, pois são o verso e reverso de uma mesma moeda, tal qual alto e baixo, direita e esquerda, bem e mal, motivo pelo qual um não existe sem o outro - está dentro de nós (Lucas, 17:21); Nietzsche também: não existem fenômenos religiosos, mas apenas uma interpretação religiosa dos fenômenos!