sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O equívoco da maldade

Por Paulo Brabo, pensador e escritor.

Tudo é puro para os que são puros.
Tito 1:15

Com base numa frase que me disse certa vez o Hernan Pimenta, brinco há mais de um ano com a ideia de um conto de horror que não chegarei a colocar por escrito. Nessa história um homem se ocupa a vida inteira, como todos, com os variegados aborrecimentos, rancores e neuroses da condição humana; depois de morto, como a todos, lhe é concedido saber que a revelação que lhe escapou a vida inteira é que na realidade o ser humano é bom.

O horror da história está em que é só depois de morto, quando é tarde demais, que o protagonista descobre que os horrores, os temores e as culpas com os quais havia ocupado o espaço inteiro da vida eram imaginários. Nesse mundo do qual estou falando, como me disse recentemente meu amigo Danilo, é impossível que do coração do homem saia outra coisa que não o bem. Nesse mundo as pessoas ensinam umas as outras, sem trégua e de todos os modos, as disciplinas da desconfiança, da culpa, do rancor e do medo, e são essas as distrações que acabam gerando em todos os casos os erros de julgamento que passam para a história como maldade. Entrincheiramo-nos sem motivo, e as trincheiras desnecessárias que construímos tornam a guerra inevitável.

Nesse mundo todas as histórias são tragédias como o Otelo, de Shakespeare, em que um protagonista honrado mata uma pessoa honrada – a pessoa que ama – por acreditar (sem fundamento, como se descobre no final) que ela havia sido contaminada pela maldade. É a maldade imaginária ou projetada, a falsa maldade, que desencadeia a verdadeira – a qual, como se fundamenta num equívoco, não passa ela mesma de um erro de julgamento.

Nessa história de horror Deus não criou o mal e nem teria como fazê-lo, porque o seu universo é genuinamente impermeável à maldade. Somos todos bons, e o diabo é Iago, o diabo é simplesmente a ideia universalmente eficaz de que devemos desconfiar uns dos outros. O único horror verdadeiro é que vivemos cegos para o fato de que não existe horror algum[1].

Notas
[1] "Sabe qual é meu medo?" – escreveu-me o Hernan naquela ocasião (depois de ler este texto de Leonardo de Souza): – "descobrir, no final das contas, no fundo, que o ser humano é bom".