quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Profissão: homofóbico

Por André Pacheco, jornalista.

É sempre assim. Basta mais um caso de violência com motivação homofóbica, ou qualquer notícia sobre a comunidade gay em portais de notícias, e vem uma enxurrada de comentários depreciativos. “A ideia é fazer parecer que toda a população brasileira odeia os homossexuais”, diz o paulistano Carlos*. Desempregado há três anos, há poucos meses recebeu uma oferta tentadora na igreja evangélica que frequenta em Itaquera, na Zona Leste de São Paulo.

Ele é apenas mais um entre alguns brasileiros que recebem para “opinar” em caixas de comentários de grandes sites e blogs, também em redes sociais e fóruns. A prática, conhecida como seeding, existe há um bom tempo na internet. Mas o caso dele vai além de ideologias políticas – como aconteceu na eleição de 2010 – ou para elogiar ou negativar um produto. A briga dele é religiosa. “Deus condena os gays, não vejo o que faço como errado, mas como uma missão para moralizar o país”, justifica-se.

Carlos não conversou diretamente com o Vestiário, quando o entrevistei, disse ser alguém interessado em contratar o seu “trabalho”. Afinal, ele não iria falar abertamente com um veículo sobre algo antiético, e que deixa às mostras a guerra declarada de algumas seitas cristãs aos gays, por mais que muitas delas tentem assumir uma imagem imaculada e não batalhar diretamente com nenhum grupo.

Basicamente, o homem – casado e pai de duas meninas – fica antenado nos principais portais e em alguns blogs de médio porte para destilar trechos bíblicos entre palavras de ódio e depreciativas aos homossexuais. O valor recebido por mês não foi revelado, tão pouco qual grupo evangélico ele representa. Mas o preço que me pediu para algo semelhante foi de 2,5 mil reais por mês. Ele também garante conhecer “mais cinco irmãos do mesmo templo que fazem a mesma coisa”, e até ensaiou me indicar alguns caso eu precisasse.

O caso de Carlos não é uma exceção, e infelizmente, parece estar se tornando uma regra – seja também para criticar adversários políticos ou empresas concorrentes. A internet, que prometia ser um ambiente livre e neutro, trouxe às caixas de comentários de grandes sites e blogs o seu pior lado. Por isso, quando ver algum comentário contra os direitos dos homossexuais, fique atento. Pode não ser apenas uma opinião, mas um modelo de negócios.

* Nome substituído.

Fontes: (1) Vestiario.org, (2) Pavablog

sábado, 19 de novembro de 2011

Entrevista com Zé Celso

Fundador do Teatro Oficina dedica sua vida à libertação artística e sexual
Por Otávio Dias, da Revista Trip.

Aos 74 anos de uma vida dedicada à libertação artística e sexual, José Celso Martinez Corrêa, um dos maiores nomes da história do teatro brasileiro, faz seu manifesto a favor da diversidade: “A sexualidade é um mistério tão grande. O bicho humano tem atração por muita coisa, vai muito além do papai e mamãe, da homossexualidade. Não acredito na identidade, mas na mistura”

“Eu não acredito em gueto gay, gueto negro, gueto disso, gueto daquilo. Não acredito em ‘clube do bolinha’, em ‘cada macaco no seu galho’, em ‘não me toque’. A natureza é diversa, mas ao lado da diversidade tem a antropofagia, as coisas e os seres se entredevoram.”

José Celso Martinez Corrêa, daqui pra frente somente Zé Celso, sempre diz algo diverso. Nos últimos 50 anos, durante os quais ocupou papel central na cultura brasileira, incluído um período de mais de dez anos de “ócio criativo”, o criador, diretor, ator, autor e força motriz do Teatro Oficina, de São Paulo, vai sempre além do lugar-comum, do discurso do momento, daquilo que queremos ou não queremos ouvir.

Não seria diferente em relação ao tema que move esta edição: “Vejo a diversidade como algo que te devora. Sou contra a divisão, a afirmação de uma identidade. Não acredito em identidade brasileira, mas na mistura. Como diz João Gilberto, ‘o brasileiro não tem personalidade, ele não precisa.’”

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Ocupação patética, reação tenebrosa

Por Matheus Pichonelli, da Carta Capital.

Ao que tudo indica, a ocupação da reitoria da USP foi de fato patrocinada por um grupo de aloprados, que atropelou o rito das assembleias realizadas até então e, num ato de desespero (calculado?), fez rolar morro abaixo uma pedra que, aos trancos, deveria ser endereçada para pontos mais altos da discussão.

Uma vez que essa pedra rolou, como se viu, tudo desandou. Absolutamente tudo, o que se nota pela declaração do ministro-candidato-a-prefeito (algo como: bater em viciado pode, em estudante, não) e do governador (vamos dar aula de democracia para esses safadinhos), passando pela atitude da própria polícia (tão aplaudida como o caveirão do Bope que arrebenta favelas), de cinegrafistas (ávidos por flagrar os “marginais” de camiseta GAP) e de muitos, mas muitos mesmo, cidadãos que só esperavam o ataque aéreo dos japoneses em Pearl Harbor para, em nome da legalidade, arremessar suas bombas atômicas sobre Hiroshima.

O episódio, em si isolado, é sintomático em vários aspectos. Primeiro porque mostra que, como outros temas-tabus (questão agrária, aborto…), a discussão sobre a rebeldia estudantil é hoje um convite para o enterro do bom senso. O episódio foi, em todos os seus atos, uma demonstração do que o filósofo e professor da USP Vladimir Safatle chama de pensamento binário do debate nacional – segundo o qual a mente humana, como computadores pré-programados, só suporta a composição “zero” ou “um”. Ou seja: estamos condicionados a um debate que só serve para dividir os argumentos em “a favor” ou “contra”, “aliado” ou “inimigo”.