quarta-feira, 24 de junho de 2009

A revolta dos perdigotos

João Ximenes Braga

Homoterrorismo é a desimportância em desespero. A sexualidade é inalterável e inatingível. E quando se trata de sexualidade, só existe uma coisa no mundo que consegue ser mais desprovida de importância que a opinião pessoal: o julgamento moral. Você pode julgar quanto quiser a sexualidade alheia. Não tem importância. Você pode ser hétero e fazer a elegia dos seus amigos gays. Não tem importância. Você pode ser gay e fazer piadas maldosas sobre o comportamento “careta” dos héteros. Não tem importância. Eles não deixarão de ser o que são.

Você pode ser conservador e barrar leis no Congresso, fazer passeatas pela família, dizer que o mundo está acabando, que Deus vai punir a todos. Não tem importância, não passa do registro da fofoca, ninguém vai deixar de se deitar com quem quer. Pode até deitar escondido, ou demorar a criar coragem, mas vai deitar. Deitar e suar e trocar saliva e outros fluidos que, com sorte, ficarão na camisinha.

E você pode achar isso nojento. Mas não tem importância. Pois a sua opinião e o seu julgamento sobre a sexualidade alheia não tem importância. Porque é alheia. Se é alheia, é do outro; se é do outro, não é sua; não sendo sua, não vai mudar por sua causa.

Você pode ser deputado crente ou padre pitboy, pode ser simpatizante ou skinhead, pode ser presidente do Irã ou suplente do PTC, grandes coisas, azar o seu, a sexualidade alheia continuará a não ser da sua conta. O pessoal vai continuar deitando e suando e trocando saliva enquanto você desperdiça os seus perdigotos uivando indignação pelas esquinas.

Aí, numa desesperada tentativa de não admitir que seu julgamento moral é inútil, você joga uma bomba. Você pode até matar alguns indivíduos. Ferir outros. Emperrar a vida de muitos. Vãs tentativas de ter importância, pois não vai, jamais, impedir que o mundo gire, a lusitana rode e as pessoas se deitem com quem quiserem, como quiserem. Seu julgamento moral e sua opinião, quaisquer que sejam, serão para sempre da mais profunda desimportância.

A não ser, claro, para você mesmo. Pois como diz Tennessee Williams na voz de Chance, o protagonista de “Doce pássaro da juventude”, a grande diferença entre as pessoas neste mundo “não é entre quem é rico e pobre, bom ou mau. É entre quem tem ou teve prazer no amor e quem nunca teve prazer no amor, apenas observou, com inveja, inveja doentia”.

Fonte: Ancelmo.com
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terça-feira, 2 de junho de 2009

A Igreja Universal e seus demônios

Há quase 20 anos o antropólogo Ronaldo de Almeida estuda as religiões pentecostais brasileiras. Em seu novo livro, "A Igreja Universal e seus demônios" (Terceiro Nome/Fapesp), ele faz um resumo da expansão do pentecostalismo no Brasil, e examina uma das protagonistas desse crescimento, a Igreja Universal do Reino de Deus. Pesquisador do Cebrap e professor da Unicamp, Almeida mostra como o antagonismo com outras religiões (em especial a umbanda) é fundamental para a Universal definir sua identidade. Nesta entrevista, o antropólogo analisa esse processo de "satanização da fé inimiga", e explica como o discurso da Universal se adapta às exigências do capitalismo contemporâneo.

Você diz que é no confronto com outras religiões que a Igreja Universal define seus contornos. Poderia falar um pouco sobre isso?


A tese do livro é que a Igreja Universal constituiu seu universo simbólico tendo como referência principal o seio do qual é fruto (os evangélicos pentecostais) mas também teve como contraponto esse caldo religioso "católico-afro-kardecista" disseminado pela sociedade brasileira. Ela é uma religiosidade que assimila e re-elabora conteúdos simbólicos e práticas rituais de outras religiões localizando-os no pólo negativo da fé cristã. Em resumo, suas práticas passam pela demonização do outro, mas ao mesmo tempo incorpora suas formas de apresentação. Assim, ela nos dá a impressão de combater aquilo do qual se alimenta o seu próprio discurso religioso. Daí o titulo "A Igreja Universal e seus demônios", que a meu ver sintetiza uma de suas formas de expansão.

A umbanda é a principal "antagonista" religiosa da Universal? Por que você acha que ela fez essa escolha?



A umbanda, devido à própria imagem de uma religião que trabalha com espíritos, alguns destes considerado "das trevas", é entendida pela Universal como a causadora dos males da vida (problemas familiares, financeiros, doenças etc). Isto fica mais explícito nos cultos de exorcismo. Mas também não podemos perder de vista que a Igreja Católica é pensada como uma adversária devido à devoção aos santos e às suas imagens, o que é considerada pela Universal como idolatria. Além disso, a Igreja Católica é um adversário forte devido ao enraizamento na sociedade brasileira. Mas o que é importante reter é que no processo de expansão da Universal ocorre este mecanismo de satanização da fé inimiga, que em outros países serão outras práticas religiosas.



Que tipo de ethos é formado e transmitido nos cultos da Universal?

Esta é uma questão ampla, mas destacaria dois aspectos: a intolerância com as religiões alheias e e um forte incentivo à prosperidade financeira, não propriamente por meio do trabalho formal mas a partir do estímulo a uma postura empreendedora por parte dos fiéis. A meu ver, este segundo aspecto está em sintonia com o contexto de crescente informalidade no mundo do trabalho que exigem soluções criativas e autônomas para a geração de renda. É menos uma ética do trabalho típica do protestantismo clássico e mais uma "viração" no mundo do trabalho para ter uma ascenção social sem culpa.


E como a Universal se relaciona com a tradição pentecostal brasileira? O que a distingue de outras pentecostais?

Além dessa questão da prosperidade financeira, destaco a interação entre os fiéis. Uma das características do meio protestante e pentecostal é a lógica congregacional, onde templos abrigam uma comunidade de fiéis que convivem por muitos anos entre si, gerando forte lações de amizade e parentesco. Não quero dizer que isto não ocorra na Universal, mas a arquitetura de seus templos (grandes salões), as várias reuniões que são realizadas diariamente, a rotatividade dos pastores entre os templos, entre outros aspectos, não favorecem o fortalecimento dos laços horizontais entre os fiéis como nas igrejas pentecostais mais clássicas. Parece-me uma religiosidade muito mais de massa, de fluxo e midiática que se contrapõe ao ethos congregacional dos "irmãos de fé" encontrado mais explicitamente nas igrejas protestantes como Batista e Presbiteriana e pentecostais tradicionais como a Assembléia de Deus e Congregação Cristã do Brasil. Convém destacar, no entanto, que devido ao sucesso deste modelo no arregimento de fiéis, algumas igrejas mais tradicionais começam a copiar o modelo da Universal.



Como se deu a chegada e expansão do pentecostalismo no Brasil?

A literatura sobre o tema costuma organizar a expansão do pentecostalismo em três momentos. O primeiro deu-se com a chegada em São Paulo, em 1910, de um missionário presbiteriano italiano que conheceu o recém-nascido pentecostalismo nos Estados Unidos e fundou a Congregação Cristã do Brasil no bairro do Brás; e a vinda de missionários suecos para Belém do Pará, em 1911, também via Estados Unidos, que fundaram a Assembléia de Deus. O segundo momento refere-se ao surto de expansão nos anos 50, sobretudo com a Cruzada Nacional de Evangelização, também vinda dos Estados Unidos e liderada pela Igreja do Evangelho Quadrangular, que gerou posteriormente as igrejas Deus é Amor e o Brasil Para Cristo. O terceiro momento, também chamado de neopentecostalismo, ocorreu como um processo autóctone a partir do final dos anos 70, do qual surgiram a Igreja Universal, a Internacional da Graça do Reino de Deus, a Renascer em Cristo, dentre outras. Creio que o importante a reter é que se o pentecostalismo é um fenômeno planetário, o Brasil se tornou um pólo emissor dessa religiosidade para outras partes do mundo, sobretudo África, América Latina e mais timidamente para Europa e o próprio Estados Unidos.



É possível hoje traçar um perfil do fiel pentecostal? Quem seria?

No ano que vem, 2010, o pentecostalismo completará 100 anos de Brasil, e o que vemos não é apenas a sua expansão numérica mas também a sua diversificação interna. Creio que falar genericamente do perfil do fiel pentecostal é simplesmente redutor. Temos aquele da teologia da prosperidade, outros ligados a movimentos sociais com militância política, outros mais voltados para uma estética e estilo de vida "gospel", como também aquele crente mais tradicional com homens usando ternos e as mulheres usando obrigatoriamente vestidos e cabelos compridos. Enfim, meu livro sobre a Igreja Universal, sem perder de vista esta diversidade interna, concentra-se em um determinado perfil, que embora específico é um exemplo paradigmático do pentecostalismo contemporâneo.

Fonte: Prosa Online - O Globo
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