terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A imposição sexual

Por Drauzio Varella, médico e escritor.

Desejos sexuais percorrem circuitos de neurônios que fogem do controle consciente. Nos anos 1960, época em que os homossexuais ousaram emergir das sombras nos grandes centros urbanos, os estudiosos, surpresos com tantos homens e mulheres que assumiam a homossexualidade publicamente, imaginavam que a questão teria caráter puramente comportamental. O termo “orientação sexual” se tornou tão generalizado que se infiltrou nos textos médicos, nos livros de psicologia e acabou aceito com orgulho pela própria cultura gay.

Essa visão, no entanto, jamais explicou a existência da homossexualidade em todas as culturas conhecidas, nem a precocidade de sua instalação definitiva em meninos e meninas muito antes do que costumamos chamar de idade da razão, nem o fato de que a maioria da população é heterossexual sem ter sequer cogitado a opção contrária. Insatisfeitos com essa interpretação comportamental e entusiasmados com os avanços obtidos pelo Projeto Genoma a partir dos anos 1990, os geneticistas têm procurado identificar a influência dos genes envolvidos na orientação sexual.

Em 2005, o debate dos genes versus ambiente ganhou dimensões inesperadas com a publicação na revista “Cell” de uma pesquisa impecavelmente conduzida na Academia Austríaca de Ciências, com drosófilas, as mosquinhas que sobrevoam bananas maduras, modelos de tantos estudos genéticos.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A dura vida dos ateus em um Brasil cada vez mais evangélico

Por Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista.

A parábola do taxista e a intolerância. Reflexão a partir de uma conversa no trânsito de São Paulo. A expansão da fé evangélica está mudando “o homem cordial”?

O diálogo aconteceu entre uma jornalista e um taxista na última sexta-feira. Ela entrou no táxi do ponto do Shopping Villa Lobos, em São Paulo, por volta das 19h30. Como estava escuro demais para ler o jornal, como ela sempre faz, puxou conversa com o motorista de táxi, como ela nunca faz. Falaram do trânsito (inevitável em São Paulo) que, naquela sexta-feira chuvosa e às vésperas de um feriadão, contra todos os prognósticos, estava bom. Depois, outro taxista emparelhou o carro na Pedroso de Moraes para pedir um “Bom Ar” emprestado ao colega, porque tinha carregado um passageiro “com cheiro de jaula”. Continuaram, e ela comentou que trabalharia no feriado. Ele perguntou o que ela fazia. “Sou jornalista”, ela disse. E ele: “Eu quero muito melhorar o meu português. Estudei, mas escrevo tudo errado”. Ele era jovem, menos de 30 anos. “O melhor jeito de melhorar o português é lendo”, ela sugeriu. “Eu estou lendo mais agora, já li quatro livros neste ano. Para quem não lia nada...”, ele contou. “O importante é ler o que você gosta”, ela estimulou. “O que eu quero agora é ler a Bíblia”. Foi neste ponto que o diálogo conquistou o direito a seguir com travessões.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O aniquilamento da não-violência

Por Paulo Brabo, escritor e pensador.

Minha ideia – embora tenha sido inteiramente mal compreendida pelos ecologistas – é que o progresso não é uma ameaça à natureza, mas à liberdade.
Bernard Charbonneau, falando em nome do anarquista cristão Jacques Ellul

Aquilo que o diabo sonhou por milênios, um mundo em que não fosse mais possível viver uma vida de não-agressão, o capitalismo neoliberal possibilitou, evangelizou e metastaseou planeta afora. O nosso é um mundo em que não há mais santos, pacifistas ou mesmo gente boa. Ele foi de fato concebido, no seu ventre ideológico, de modo a que não subsista a virtude nem tenha como subsistir.

Houve épocas em que bolsões de paz e de boa vontade, muitos deles sustentados diretamente pelo sopro de Jesus de Nazaré, proveram santuário a este mundo. Os ramos da família anabatista em particular (por exemplo, os irmãos menonitas) foram por séculos os portadores de uma longa e radical tradição cristã de não-violência – inspirando e sendo inspirados por gente como Erasmo, Tolstoi, Gandhi e Martin Luther King. Um fogo semelhante nunca deixou de arder no coração da experiência católica, encarnado (por exemplo) nas paixões de Francesco, no ideal da aventura monástica e na lucidez de Dorothy Day. A não-agressão está, além disso, muito entranhada no ideário de tradições religiosas não-cristãs, em especial no budismo e no jainismo.

Esses, no entanto, foram ideais e realidades de uma outra era, açudes esgotados e sonhos anulados pela amoral capitalista. Ninguém mais é livre, por isso ninguém mais tem como dar-se ao luxo de ser bom.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Ciência x Judiciário

Hélio Schwartsman, filósofo e articulista da Folha.

Aproveito a crisezinha no Judiciário para propor uma reflexão mais geral: o sistema de Justiça, como o concebemos e administramos, faz algum sentido? E a resposta a essa candente questão, já o antecipo, é um "sim" pontuado por muitos "nãos". Mas comecemos pelo começo.

O problema é basicamente a ciência, que não tem sido gentil com o Direito.

Praticamente todos os sistemas jurídicos do Ocidente se baseiam na capacidade dos indivíduos de decidir entre o certo e o errado, mas uma série de descobertas científicas feitas nas últimas décadas arranham bastante essa noção.

Psicólogos, por exemplo, demonstraram de inúmeras maneiras que mesmo o mais mentalmente saudável dos seres humanos pode agir como um sádico, infligindo castigos e aplicando "choques elétricos" em seus semelhantes, se for submetido a um pouco de pressão social para fazê-lo. A tese da obediência devida, em que pese minar o conceito de Bem x Mal, não era tão estapafúrdia assim.

Mesmo para os que seguem acreditando que o crime é uma questão de frutos podres, estudos psicológicos e neurocientíficos mostram que existem certos tipos de personalidade mais propensos a cometer delitos. A relação não é determinista, mas probabilística. O indivíduo que obtém uma pontuação alta nos testes para psicopatia ou não está fadado a assassinar os pais, devorar os vizinhos e disparar sua metralhadora contra criancinhas numa creche. Não obstante, encontraremos proporcionalmente mais pessoas com altos escores nas escalas de psicopatia, de personalidade narcisística ou "borderline" nas cadeias do que na população geral.