"Seu interesse [de Calvino] está exclusivamente em Deus, não no homem; Deus não existe para os homens, mas os homens existem por causa de Deus. Toda a criação, até mesmo o fato, indubitável para Calvino, de que só uma pequena parcela dos homens seria escolhida para a Graça, só poderia ter significado como um meio para a glória e majestade de Deus. Aplicar os padrões mundanos de justiça a Seus soberanos decretos seria desprovido de sentido e até insultuoso para Sua Majestade, uma vez que Ele, e só Ele é livre, isto é, não está sujeito a nenhuma lei. Seus desígnios só podem ser por nós entendidos, ou mesmo conhecidos, à medida que seja do Seu agrado revelá-lo a nós. Só podemos nos ater a esses fragmentos de verdade eterna. Tudo o mais, até mesmo o significado de nosso destino individual, está envolto em tenebroso mistério que seria impossível esclarecer e presunçoso questionar. Lamentar o próprio destino seria para o condenado o mesmo que seria para os animais deplorarem o fato de não terem nascido homens. Tudo o que é da carne está separado de Deus por um golfo intransponível, e merece d'Ele apenas a morte eterna, a menos que Ele tenha deliberado diferentemente, para a glorificação de Sua Majestade. Sabemos apenas que uma parte da humanidade será salva, e o resto será condenado a supor que o mérito ou culpa humanos desempenhem um papel na determinação de seu destino, que seria considerar que os decretos divinos, absolutamente livres e estabelecidos para a eternidade, fossem passíveis de mudanças pela influência humana, o que é uma contradição impossível.
O Pai do Céu do Novo Testamento, tão humano e compreensivo, e que se regozija com o arrependimento de um pecador, como uma mulher com a moeda de prata perdida e reencontrada, desapareceu. Seu lugar foi ocupado por um ser transcendental, além do alcance da compreensão humana, que com Seus decretos incompreensíveis decidiu o destino de cada indivíduo e regulou os mínimos detalhes do Universo para a eternidade. E uma vez que Seus decretos são imutáveis, a Graça seria tão impossível de ser perdida para aqueles a quem a concedeu como impossível de ser obtida para aqueles a quem negou. Essa doutrina, em sua extrema desumanidade, deve ter tido, acima de tudo, uma conseqüência para a geração que se rendeu à sua magnífica consistência: um sentimento de incrível solidão interior do indivíduo."
(Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Cap. IV, § 17-18)
Quanto à soberania de Deus, não me resta dúvida. O meu problema reside em admitir uma esquizofrenia divina.
Um comentário:
Bom texto do pai da sociologia.
Bom texto do seminarista sobre a esquizofrania divina.
Um abraço, meu irmão.
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