Novas descobertas trazem à tona um homem simples, talvez analfabeto, difícil de ser rastreado e longe de se sentir uma entidade poderosa e onisciente. Como ficam as crenças cristãs diante desse Jesus histórico?
De volta ao laboratório:Cientistas investigam a vida de Jesus e trazem novas hipóteses, que vão da possibilidade de o nascimento não ter se dado em Belém até a provável inexistência do homem que teria resgatado o seu corpo
É um bocado irônico que o personagem mais influente da História também seja um dos mais misteriosos. Jesus de Nazaré não tem data de nascimento ou morte registrada com segurança (embora seja possível estimá-las com margem de erro de dois ou três anos). Não deixou nada escrito de próprio punho (há até quem argumente que ele provavelmente era analfabeto). Não restou um único artefato do qual se possa dizer com certeza que pertenceu a ele. Os relatos de seus seguidores, escritos entre duas e seis décadas após a morte na cruz, falam com riqueza de detalhes de um período curtíssimo de sua vida adulta, elencando seus atos e ensinamentos, mas nos deixam no escuro sobre a maior parte de sua infância e adolescência, suas angústias pessoais e seu relacionamento com amigos e familiares.
É um bocado irônico que o personagem mais influente da História também seja um dos mais misteriosos. Jesus de Nazaré não tem data de nascimento ou morte registrada com segurança (embora seja possível estimá-las com margem de erro de dois ou três anos). Não deixou nada escrito de próprio punho (há até quem argumente que ele provavelmente era analfabeto). Não restou um único artefato do qual se possa dizer com certeza que pertenceu a ele. Os relatos de seus seguidores, escritos entre duas e seis décadas após a morte na cruz, falam com riqueza de detalhes de um período curtíssimo de sua vida adulta, elencando seus atos e ensinamentos, mas nos deixam no escuro sobre a maior parte de sua infância e adolescência, suas angústias pessoais e seu relacionamento com amigos e familiares.
A situação pode soar desesperadora ao extremo para um historiador que, sem recorrer à fé cristã, queira reconstruir a vida e a mensagem desse judeu singular. Mas a situação é menos complicada do que parece. Por um lado, é preciso reconhecer que os Evangelhos, principais narrativas sobre Jesus na Bíblia cristã, não são livros históricos no sentido moderno do termo. "Os Evangelhos são uma combinação de elementos históricos e interpretações feitas posteriormente no âmbito das comunidades cristãs", afirma o padre Léo Zeno Konzen, coordenador do curso de teologia da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (RS). (Foto - É tudo mentira? O ossuário de Tiago (acima) tem inscrição falsa, feita no século 21. Estudiosos atuais questionam a existência de José de Arimatéia).
Trocando em miúdos: os evangelistas (conhecidos entre nós pelos títulos de Mateus, Marcos, Lucas e João, que não devem ter sido os autores dos textos) estavam tão preocupados em relatar o que tinha acontecido com Jesus e os apóstolos 50 anos antes quanto em tornar esses fatos relevantes para seu público, formado por cristãos nascidos depois que seu Mestre morrera na cruz. A boa notícia é que a leitura crítica dessas narrativas é capaz de resgatar grande parte da vida terrena de Jesus.
Trocando em miúdos: os evangelistas (conhecidos entre nós pelos títulos de Mateus, Marcos, Lucas e João, que não devem ter sido os autores dos textos) estavam tão preocupados em relatar o que tinha acontecido com Jesus e os apóstolos 50 anos antes quanto em tornar esses fatos relevantes para seu público, formado por cristãos nascidos depois que seu Mestre morrera na cruz. A boa notícia é que a leitura crítica dessas narrativas é capaz de resgatar grande parte da vida terrena de Jesus.
O retrato que emerge desse esforço é, em certos aspectos, familiar para qualquer cristão, ao mesmo tempo em que humaniza o Nazareno. O chamado Jesus histórico é uma figura humilde, que coloca sua mensagem - o anúncio da chegada do Reino de Deus - acima de qualquer preocupação com sua própria importância. Não se comporta como uma entidade superpoderosa ou onisciente. E coloca em primeiro lugar a história e o destino do povo de Israel, ao qual pertence. É um Jesus que pode ajudar os cristãos a repensarem a origem de sua própria fé - mas dificilmente é uma ameaça a ela, a menos que se acredite que todo versículo dos Evangelhos é verdade literal, como se fosse um filme do que aconteceu no ano 30 d.C. (Foto - "José de Arimatéia Apoiando o Cristo Morto", de Rogier van der Weyden (1399 ou 1400-1464).
Fraudes modernas
Volta e meia ressurge a esperança de que os Evangelhos não serão mais a principal (ou única) fonte sobre a vida de Jesus. Há quem coloque todas as suas fichas em achados arqueológicos, como inscrições, túmulos e textos antigos. Dois exemplos recentes não tiveram um resultado dos mais gloriosos. (Foto - "A Última Ceia", de Philippe de Champaigne (1602-1674)
Em 2002, foi a vez do chamado Ossuário de Tiago, uma caixa de pedra feita originalmente para conter o esqueleto de um homem que morreu em Jerusalém no século 1. No artefato havia uma inscrição em aramaico (língua aparentada ao hebraico que era a mais falada no tempo de Cristo), com os dizeres: "Tiago, filho de José, irmão de Jesus".
O ossuário, afirmavam alguns especialistas, teria pertencido a Tiago, irmão ou primo de Jesus que liderou a igreja cristã de Jerusalém até o ano 62 d.C. Análises mais detalhadas feitas posteriormente comprovaram que o pedaço crucial da inscrição ("irmão de Jesus") foi adicionado por um falsificador do século 21.
Um bafafá parecido cercou, em 2006, novas análises de outros ossuários de Jerusalém, originalmente desenterrados nos anos 1980. Num mesmo jazigo familiar estavam enterrados "Jesus, filho de José", Maria (a mãe dele?), Mariamne (supostamente, Maria Madalena) e outras pessoas cujos nomes lembram os de personagens do Novo Testamento. Um documentário produzido por James Cameron (ele mesmo, o criador de "Titanic") defendeu que os ossuários eram a prova de que Jesus tinha se casado com Maria Madalena. Os defensores da tese argumentam que seria muito improvável a ocorrência conjunta desses nomes na Jerusalém do século 1 d.C. sem que houvesse uma ligação com Jesus de Nazaré. Nenhum estudioso sério do Jesus histórico, contudo, dispôs-se a comprar a idéia - calcula-se que, só em Jerusalém, teriam vivido mais de mil "Jesus, filhos de Josés" nessa época.
Esses fracassos talvez tenham uma explicação muito simples: a pessoa de Jesus pode ser "invisível" para a arqueologia. "E não só ele como quase toda a primeira e a segunda geração de cristãos. São pessoas periféricas, gente muito simples, de origem rural", afirma André Leonardo Chevitarese, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Romanos e judeus de classe alta construíam palácios e tinham selos (carimbos) pessoais feitos com metal ou pedra preciosos; carpinteiros e pescadores da Galiléia (a terra natal de Jesus, no norte de Israel), por outro lado, podiam passar a vida inteira usando apenas materiais perecíveis. Chevitarese, aliás, é cético até em relação à idéia de um enterro formal para Jesus.
"Em todo o mundo romano, o costume era abandonar o cadáver na cruz, para ser comido por abutres ou cães", lembra o historiador da UFRJ. Ele também diz ser suspeita a figura de José de Arimatéia, judeu rico e simpatizante de Jesus que teria obtido seu corpo e organizado o sepultamento, segundo os Evangelhos. "Camponeses como os seguidores de Jesus não teriam como se dirigir a Pilatos para exigir o corpo. Assim, os evangelistas têm o problema de explicar o sepultamento de Jesus e usam a figura de Arimatéia, que praticamente cai de pára-quedas na narrativa", diz. Por outro lado, há pelo menos um registro de crucificado judeu que teve um sepultamento digno - Yehohanan (João), filho de Hagakol, cujo ossuário foi descoberto por arqueólogos israelenses em 1968. O osso do calcanhar de Yehohanan ainda continha o cravo usado para pregá-lo na cruz.
EXISTÊNCIA COMPROVADA?
Ateus ou religiosos, os estudiosos concordam: a teoria de conspiração de que Jesus não teria passado pela Terra é uma tremenda bobagem
Viciados em teorias da conspiração adoram a idéia: Jesus nunca teria existido. As histórias sobre sua vida, morte e ressurreição seriam mera colagem de mitos egípcios e babilônicos, com pitadas do Antigo Testamento para dar um saborzinho judaico. Na prática, Cristo não seria mais real do que Osíris ou Baal, deuses mitológicos que também morreram e ressuscitaram. No entanto, para a esmagadora maioria dos estudiosos, sejam eles homens de fé ou ateus, a tese não passa de bobagem. A figura de Jesus pode até ter "atraído" elementos de mitos antigos para sua história, mas temos uma quantidade razoável de informações historicamente confiáveis, englobando pistas de fontes cristãs, judaicas e pagãs.
Começamos, no Novo Testamento, com as cartas de São Paulo, escritas entre 20 e 30 anos após a crucificação do pregador de Nazaré. Cerca de 40 anos depois da morte de Jesus, surge o Evangelho de Marcos, o mais antigo da Bíblia; antes que o século 1 terminasse, os demais Evangelhos alcançaram a forma que conhecemos hoje. A distância temporal, em todos esses casos, é mais ou menos a mesma que separava o historiador Heródoto da época da guerra entre gregos e persas, que aconteceu entre 490 a.C. e 480 a.C. - e ninguém sai por aí dizendo que Heródoto inventou Leônidas, o rei casca-grossa de Esparta.
Outra fonte crucial é Flávio Josefo, autor de "Antiguidades Judaicas", também do século 1. O texto sofreu interferências de copistas cristãos, mas é possível determinar sua forma original, bastante neutra: Jesus seria um "mestre", responsável por "feitos extraordinários", crucificado a mando de Pilatos, cujos seguidores ainda existiam, apesar disso. Duas décadas depois, o historiador romano Tácito conta a mesma história básica, precisando que Jesus tinha morrido na época de Pilatos e do imperador Tibério (duas referências que batem com o Novo Testamento). Esses dados mostram duas coisas: a historicidade de Jesus e também sua relativa desimportância diante das autoridades romanas e judaicas, como um profeta marginal num canto remoto e pobre do Império Romano.
Em 2002, foi a vez do chamado Ossuário de Tiago, uma caixa de pedra feita originalmente para conter o esqueleto de um homem que morreu em Jerusalém no século 1. No artefato havia uma inscrição em aramaico (língua aparentada ao hebraico que era a mais falada no tempo de Cristo), com os dizeres: "Tiago, filho de José, irmão de Jesus".
O ossuário, afirmavam alguns especialistas, teria pertencido a Tiago, irmão ou primo de Jesus que liderou a igreja cristã de Jerusalém até o ano 62 d.C. Análises mais detalhadas feitas posteriormente comprovaram que o pedaço crucial da inscrição ("irmão de Jesus") foi adicionado por um falsificador do século 21.
Um bafafá parecido cercou, em 2006, novas análises de outros ossuários de Jerusalém, originalmente desenterrados nos anos 1980. Num mesmo jazigo familiar estavam enterrados "Jesus, filho de José", Maria (a mãe dele?), Mariamne (supostamente, Maria Madalena) e outras pessoas cujos nomes lembram os de personagens do Novo Testamento. Um documentário produzido por James Cameron (ele mesmo, o criador de "Titanic") defendeu que os ossuários eram a prova de que Jesus tinha se casado com Maria Madalena. Os defensores da tese argumentam que seria muito improvável a ocorrência conjunta desses nomes na Jerusalém do século 1 d.C. sem que houvesse uma ligação com Jesus de Nazaré. Nenhum estudioso sério do Jesus histórico, contudo, dispôs-se a comprar a idéia - calcula-se que, só em Jerusalém, teriam vivido mais de mil "Jesus, filhos de Josés" nessa época.
Esses fracassos talvez tenham uma explicação muito simples: a pessoa de Jesus pode ser "invisível" para a arqueologia. "E não só ele como quase toda a primeira e a segunda geração de cristãos. São pessoas periféricas, gente muito simples, de origem rural", afirma André Leonardo Chevitarese, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Romanos e judeus de classe alta construíam palácios e tinham selos (carimbos) pessoais feitos com metal ou pedra preciosos; carpinteiros e pescadores da Galiléia (a terra natal de Jesus, no norte de Israel), por outro lado, podiam passar a vida inteira usando apenas materiais perecíveis. Chevitarese, aliás, é cético até em relação à idéia de um enterro formal para Jesus.
"Em todo o mundo romano, o costume era abandonar o cadáver na cruz, para ser comido por abutres ou cães", lembra o historiador da UFRJ. Ele também diz ser suspeita a figura de José de Arimatéia, judeu rico e simpatizante de Jesus que teria obtido seu corpo e organizado o sepultamento, segundo os Evangelhos. "Camponeses como os seguidores de Jesus não teriam como se dirigir a Pilatos para exigir o corpo. Assim, os evangelistas têm o problema de explicar o sepultamento de Jesus e usam a figura de Arimatéia, que praticamente cai de pára-quedas na narrativa", diz. Por outro lado, há pelo menos um registro de crucificado judeu que teve um sepultamento digno - Yehohanan (João), filho de Hagakol, cujo ossuário foi descoberto por arqueólogos israelenses em 1968. O osso do calcanhar de Yehohanan ainda continha o cravo usado para pregá-lo na cruz.
EXISTÊNCIA COMPROVADA?
Ateus ou religiosos, os estudiosos concordam: a teoria de conspiração de que Jesus não teria passado pela Terra é uma tremenda bobagem
Viciados em teorias da conspiração adoram a idéia: Jesus nunca teria existido. As histórias sobre sua vida, morte e ressurreição seriam mera colagem de mitos egípcios e babilônicos, com pitadas do Antigo Testamento para dar um saborzinho judaico. Na prática, Cristo não seria mais real do que Osíris ou Baal, deuses mitológicos que também morreram e ressuscitaram. No entanto, para a esmagadora maioria dos estudiosos, sejam eles homens de fé ou ateus, a tese não passa de bobagem. A figura de Jesus pode até ter "atraído" elementos de mitos antigos para sua história, mas temos uma quantidade razoável de informações historicamente confiáveis, englobando pistas de fontes cristãs, judaicas e pagãs.
Começamos, no Novo Testamento, com as cartas de São Paulo, escritas entre 20 e 30 anos após a crucificação do pregador de Nazaré. Cerca de 40 anos depois da morte de Jesus, surge o Evangelho de Marcos, o mais antigo da Bíblia; antes que o século 1 terminasse, os demais Evangelhos alcançaram a forma que conhecemos hoje. A distância temporal, em todos esses casos, é mais ou menos a mesma que separava o historiador Heródoto da época da guerra entre gregos e persas, que aconteceu entre 490 a.C. e 480 a.C. - e ninguém sai por aí dizendo que Heródoto inventou Leônidas, o rei casca-grossa de Esparta.
Outra fonte crucial é Flávio Josefo, autor de "Antiguidades Judaicas", também do século 1. O texto sofreu interferências de copistas cristãos, mas é possível determinar sua forma original, bastante neutra: Jesus seria um "mestre", responsável por "feitos extraordinários", crucificado a mando de Pilatos, cujos seguidores ainda existiam, apesar disso. Duas décadas depois, o historiador romano Tácito conta a mesma história básica, precisando que Jesus tinha morrido na época de Pilatos e do imperador Tibério (duas referências que batem com o Novo Testamento). Esses dados mostram duas coisas: a historicidade de Jesus e também sua relativa desimportância diante das autoridades romanas e judaicas, como um profeta marginal num canto remoto e pobre do Império Romano.
Homem invisível
Fora algum tremendo golpe de sorte, o máximo que a arqueologia pode fazer é iluminar a vida cotidiana no tempo de Jesus (indicando em que tipo de casa ele vivia ou que modelo de taça ele teria usado para beber vinho com seus discípulos) ou como era a religião judaica naquela época. Esse provavelmente é o caso de um misterioso texto do século 1 a.C., pintado numa pedra e analisado por Israel Knohl, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Em julho passado, Knohl apresentou sua interpretação do texto (o qual não está inteiramente legível e, por isso, tem de ser reconstruído hipoteticamente): ele mencionaria a morte e ressurreição de um Messias décadas antes do nascimento de Jesus. Ainda que a interpretação esteja correta, é difícil ver como ela mudaria nossa compreensão sobre as origens do cristianismo. Afinal, um dos grandes argumentos dos seguidores de Jesus é justamente que seu retorno dos mortos já tinha sido previsto nas profecias judaicas.(Foto - "Jesus Curando um Cego", pintura anônima da escola romana do séc. 17).
Se a invisibilidade arqueológica não ajuda, a imaginação e as preocupações modernas também atrapalham um bocado. No esforço de tornar o Jesus histórico relevante para a nossa época, ou como forma de polemizar com as atuais religiões cristãs, pesquisadores como o historiador irlandês John Dominic Crossan defendem que Cristo não se preocupava com a vida eterna ou o Juízo Final, mas pregava uma ética totalmente centrada no aqui e no agora, influenciada pela cultura grega. Outros enfatizam seu lado de revolucionário político, ou mesmo o retratam como uma espécie de mago itinerante, cujos milagres não passavam de truques. Na avaliação de Chevitarese, isso equivaleria a esvaziar Jesus. "Não se pode tirá-lo do seu contexto judaico nem eliminar seu lado apocalíptico e escatológico [o de um profeta que espera o final dos tempos e a consumação da história humana]", diz o historiador da UFRJ. Isso não quer dizer, por outro lado, que a pregação de Jesus fosse completamente isenta de idéias sobre a sociedade e a política.
"A própria escatologia judaica também tem um substrato político", afirma Luiz Felipe Ribeiro, professor da pós-gradua-ção em história do cristianismo antigo da Universidade de Brasília (UnB). Ele cita um exemplo cristão, o Livro do Apocalipse, que pode ser lido tanto como uma previsão do fim do mundo quanto como um ataque contra a opressão romana que afetava os cristãos.
Reinado de Deus
Para John P. Meier, professor da Universidade Notre Dame (EUA) e autor da monumental série de livros "Um Judeu Marginal" (ainda não concluída) sobre o Jesus histórico, o pregador de Nazaré resume e mistura o espiritual, o social e o político na frase-chave de seu anúncio profético: o "Reino de Deus". Essa é a tradução mais comum em português do grego "basilêia tou Theou", cujo sentido provavelmente está mais para "o Reinado de Deus" - a idéia de que Deus estava prestes a intervir dramaticamente no mundo, resgatando seu povo de Israel, instaurando seu domínio de justiça e paz e incluindo até os povos pagãos nesse Universo transformado.
"Isso explica por que Jesus parece relativamente despreocupado em relação a problemas sociais e políticos. Ele não estava pregando a reforma do mundo; estava pregando o fim do mundo", escreve Meier. No entanto, em vez de se concentrar nos tormentos que aguardariam os pecadores que não se arrependessem, o profeta da Galiléia ressaltava que o Reinado de Deus era um poder misericordioso, aberto a todos. Não é à toa que algumas autoridades judaicas ou o grupo dos fariseus (algo como "separados", em hebraico) ficavam escandalizados com o lado festivo da vida de Jesus e seus discípulos. Afinal, eles não hesitavam em comer e beber com cobradores de impostos, prostitutas e outros "pecadores notórios" da sociedade israelita, como sinal da proximidade e da inclusão do Reino.
"Proximidade", aliás, talvez não seja a palavra exata: ao mesmo tempo em que Jesus via o Reinado de Deus como uma promessa a se realizar no futuro próximo, também insinuava que esse reino já estava presente no ministério do próprio Cristo, diz Meier. "As curas e os exorcismos realizados por Jesus não seriam, portanto, meros atos de bondade e compaixão: estariam mais para demonstrações dramáticas de que o Reino de Deus já estava chegando a Israel", afirma o pesquisador. Não dá para forçar a mão de Deus, diz Jesus: seu Reinado é um ato espontâneo de misericórdia, voltado não para quem o merece, mas para quem mais precisa dele.
Barrados no baile
Mais importante ainda, Jesus se apresenta como o mediador para os que querem participar do Reinado de Deus: rejeitar sua mensagem equivale a rejeitar a ordem divina. E, como registram os Evangelhos, a proclamação é voltada exclusiva ou principalmente a judeus. Não é à toa que ele escolhe os Doze Apóstolos (provavelmente simbolizando as doze tribos de Israel, espalhadas pelo mundo, que Deus deveria reunir no fim dos tempos) e ordena que eles se dirijam apenas às "ovelhas perdidas da casa de Israel". Para Jesus, a imagem desse Reino de Deus consumado é a de um banquete - e, paradoxalmente, ele chega a afirmar que alguns de seus compatriotas judeus, os que não o aceitam, poderão ser os barrados no baile, enquanto gente "do Oriente e do Ocidente" - os pagãos - acabam sendo incluídos.
É possível extrair essas linhas gerais da missão de Jesus do material contido no Novo Testamento, mas é bem mais complicado afirmar se, durante sua vida terrena, Cristo considerava ser Deus encarnado, como defende o dogma cristão, ou mesmo se ele tinha consciência plena de que sua morte na cruz serviria para redimir a humanidade.
O interessante, afirma Chevitarese, é que os textos do Novo Testamento parecem mostrar a convivência de várias visões sobre como e quando os cristãos consideravam que Jesus teria assumido seu status de Cristo, ou seja, de "ungido" (escolhido) e filho de Deus. "Para Paulo [autor dos textos provavelmente mais antigos, datados por volta do ano 50], Jesus é o Cristo porque ressuscitou. O Evangelho de Marcos traz esse papel já para o batismo de Jesus feito por João Batista. Os Evangelhos de Mateus e Lucas recuam isso para o nascimento dele, enquanto João vê Cristo como preexistente ao próprio mundo."
Como judeu, seria impensável para Jesus se colocar publicamente como igual a Deus, afirma Luiz Felipe Ribeiro. "Agora, isso não quer dizer que não houvesse uma autocompreensão de Jesus na qual ele se via como mais do que humano, uma autocompreensão messiânica, digamos." Seria essa uma possível explicação para o misterioso título "Filho do Homem", aparentemente empregado por Jesus para designar a si mesmo. Esse personagem aparece em vários escritos apocalípticos judaicos, muitos dos quais surgidos pouco antes do nascimento de Cristo.
Constrangimento
Essas incongruências só são conhecidas porque os Evangelhos preservam uma trilha de pistas sobre o lado humano de Jesus. Tais pistas fortalecem o chamado critério do constrangimento. A idéia é que os evangelistas não inventariam passagens capazes de lançar dúvidas sobre o poder ou onisciência de Jesus. O caso clássico é o batismo de Cristo por João Batista no rio Jordão, afirma Emilio Voigt, doutor em Novo Testamento e professor da Escola Superior de Teologia de São Leopoldo (RS). "Se o batismo de João é para o arrependimento [dos pecados], por que Jesus precisaria ser batizado? Como Jesus, o Messias, poderia ser batizado por alguém inferior a ele?", diz o pesquisador. Segundo Voigt, a tradição cristã resolve isso por meio do "testemunho" de João - afirmações do profeta de que ele teria vindo apenas para proclamar a chegada de Jesus e de que, na verdade, não seria digno de batizá-lo. Uma série de outros eventos constrangedores aparece nos Evangelhos: os parentes de Jesus e os moradores de Nazaré o rejeitam como profeta, ele diz que "somente o Pai" conhece a hora da chegada do Reino, teme a aproximação da morte e, pregado na cruz, pergunta por que Deus o teria abandonado.
Homem bruto
Levando tudo isso em consideração, a fé cristã pode sair abalada ao confrontar o Jesus histórico? Os especialistas apostam que esse risco é menor do que parece. "A pesquisa histórica ajuda a compreender a atividade de Jesus e a contextualizar a fé. Pode ameaçar alguns dogmas eclesiásticos, mas não a fé propriamente dita", afirma Voigt, que também é pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IELCB).
"Creio que o processo de formação das pessoas de fé cristã deve ajudar a perceber a riqueza que se encontra no processo de interpretar os acontecimentos. Não podemos ler a Bíblia ao pé da letra. Como pessoas de fé, nossos antepassados vivenciaram processos muito criativos de leitura dos acontecimentos, atribuindo-lhes significados que, à primeira vista, não eram perceptíveis nem imagináveis. A Bíblia toda foi construída assim", pondera o padre Léo Konzen.
"Apesar de ser a personificação do Divino, Jesus era um homem bruto, pobre, tão comum que dependia de muita oração e da ação do Espírito Santo para realizar feitos. Seria muito fácil se Ele morresse na cruz tendo a certeza de que era eterno. Mas era homem e não tinha uma memória divina", diz René Vasconcelos, autor do blog Papo de Teólogo e membro da denominação evangélica Assembléia de Deus.
Essa, aliás, é uma das pedras fundamentais da fé de quase todas as igrejas cristãs: Jesus é verdadeiro Deus, mas também é verdadeiro homem. A primeira parte da frase ainda não pode ser comprovada ou refutada pela pesquisa histórica, mas a segunda também é capaz de tornar Jesus relevante para crentes - e até para agnósticos ou ateus - durante muito tempo ainda.
Onde Jesus nasceu, cresceu, pregou e morreu
Entre historiadores, há um consenso: seus últimos dias e a crucificação aconteceram em Jerusalém. Conheça as evidências mais aceitas quanto aos demais passos da vida do homem.
Se a invisibilidade arqueológica não ajuda, a imaginação e as preocupações modernas também atrapalham um bocado. No esforço de tornar o Jesus histórico relevante para a nossa época, ou como forma de polemizar com as atuais religiões cristãs, pesquisadores como o historiador irlandês John Dominic Crossan defendem que Cristo não se preocupava com a vida eterna ou o Juízo Final, mas pregava uma ética totalmente centrada no aqui e no agora, influenciada pela cultura grega. Outros enfatizam seu lado de revolucionário político, ou mesmo o retratam como uma espécie de mago itinerante, cujos milagres não passavam de truques. Na avaliação de Chevitarese, isso equivaleria a esvaziar Jesus. "Não se pode tirá-lo do seu contexto judaico nem eliminar seu lado apocalíptico e escatológico [o de um profeta que espera o final dos tempos e a consumação da história humana]", diz o historiador da UFRJ. Isso não quer dizer, por outro lado, que a pregação de Jesus fosse completamente isenta de idéias sobre a sociedade e a política.
"A própria escatologia judaica também tem um substrato político", afirma Luiz Felipe Ribeiro, professor da pós-gradua-ção em história do cristianismo antigo da Universidade de Brasília (UnB). Ele cita um exemplo cristão, o Livro do Apocalipse, que pode ser lido tanto como uma previsão do fim do mundo quanto como um ataque contra a opressão romana que afetava os cristãos.
Reinado de Deus
Para John P. Meier, professor da Universidade Notre Dame (EUA) e autor da monumental série de livros "Um Judeu Marginal" (ainda não concluída) sobre o Jesus histórico, o pregador de Nazaré resume e mistura o espiritual, o social e o político na frase-chave de seu anúncio profético: o "Reino de Deus". Essa é a tradução mais comum em português do grego "basilêia tou Theou", cujo sentido provavelmente está mais para "o Reinado de Deus" - a idéia de que Deus estava prestes a intervir dramaticamente no mundo, resgatando seu povo de Israel, instaurando seu domínio de justiça e paz e incluindo até os povos pagãos nesse Universo transformado.
"Isso explica por que Jesus parece relativamente despreocupado em relação a problemas sociais e políticos. Ele não estava pregando a reforma do mundo; estava pregando o fim do mundo", escreve Meier. No entanto, em vez de se concentrar nos tormentos que aguardariam os pecadores que não se arrependessem, o profeta da Galiléia ressaltava que o Reinado de Deus era um poder misericordioso, aberto a todos. Não é à toa que algumas autoridades judaicas ou o grupo dos fariseus (algo como "separados", em hebraico) ficavam escandalizados com o lado festivo da vida de Jesus e seus discípulos. Afinal, eles não hesitavam em comer e beber com cobradores de impostos, prostitutas e outros "pecadores notórios" da sociedade israelita, como sinal da proximidade e da inclusão do Reino.
"Proximidade", aliás, talvez não seja a palavra exata: ao mesmo tempo em que Jesus via o Reinado de Deus como uma promessa a se realizar no futuro próximo, também insinuava que esse reino já estava presente no ministério do próprio Cristo, diz Meier. "As curas e os exorcismos realizados por Jesus não seriam, portanto, meros atos de bondade e compaixão: estariam mais para demonstrações dramáticas de que o Reino de Deus já estava chegando a Israel", afirma o pesquisador. Não dá para forçar a mão de Deus, diz Jesus: seu Reinado é um ato espontâneo de misericórdia, voltado não para quem o merece, mas para quem mais precisa dele.
Barrados no baile
Mais importante ainda, Jesus se apresenta como o mediador para os que querem participar do Reinado de Deus: rejeitar sua mensagem equivale a rejeitar a ordem divina. E, como registram os Evangelhos, a proclamação é voltada exclusiva ou principalmente a judeus. Não é à toa que ele escolhe os Doze Apóstolos (provavelmente simbolizando as doze tribos de Israel, espalhadas pelo mundo, que Deus deveria reunir no fim dos tempos) e ordena que eles se dirijam apenas às "ovelhas perdidas da casa de Israel". Para Jesus, a imagem desse Reino de Deus consumado é a de um banquete - e, paradoxalmente, ele chega a afirmar que alguns de seus compatriotas judeus, os que não o aceitam, poderão ser os barrados no baile, enquanto gente "do Oriente e do Ocidente" - os pagãos - acabam sendo incluídos.
É possível extrair essas linhas gerais da missão de Jesus do material contido no Novo Testamento, mas é bem mais complicado afirmar se, durante sua vida terrena, Cristo considerava ser Deus encarnado, como defende o dogma cristão, ou mesmo se ele tinha consciência plena de que sua morte na cruz serviria para redimir a humanidade.
O interessante, afirma Chevitarese, é que os textos do Novo Testamento parecem mostrar a convivência de várias visões sobre como e quando os cristãos consideravam que Jesus teria assumido seu status de Cristo, ou seja, de "ungido" (escolhido) e filho de Deus. "Para Paulo [autor dos textos provavelmente mais antigos, datados por volta do ano 50], Jesus é o Cristo porque ressuscitou. O Evangelho de Marcos traz esse papel já para o batismo de Jesus feito por João Batista. Os Evangelhos de Mateus e Lucas recuam isso para o nascimento dele, enquanto João vê Cristo como preexistente ao próprio mundo."
Como judeu, seria impensável para Jesus se colocar publicamente como igual a Deus, afirma Luiz Felipe Ribeiro. "Agora, isso não quer dizer que não houvesse uma autocompreensão de Jesus na qual ele se via como mais do que humano, uma autocompreensão messiânica, digamos." Seria essa uma possível explicação para o misterioso título "Filho do Homem", aparentemente empregado por Jesus para designar a si mesmo. Esse personagem aparece em vários escritos apocalípticos judaicos, muitos dos quais surgidos pouco antes do nascimento de Cristo.
Constrangimento
Essas incongruências só são conhecidas porque os Evangelhos preservam uma trilha de pistas sobre o lado humano de Jesus. Tais pistas fortalecem o chamado critério do constrangimento. A idéia é que os evangelistas não inventariam passagens capazes de lançar dúvidas sobre o poder ou onisciência de Jesus. O caso clássico é o batismo de Cristo por João Batista no rio Jordão, afirma Emilio Voigt, doutor em Novo Testamento e professor da Escola Superior de Teologia de São Leopoldo (RS). "Se o batismo de João é para o arrependimento [dos pecados], por que Jesus precisaria ser batizado? Como Jesus, o Messias, poderia ser batizado por alguém inferior a ele?", diz o pesquisador. Segundo Voigt, a tradição cristã resolve isso por meio do "testemunho" de João - afirmações do profeta de que ele teria vindo apenas para proclamar a chegada de Jesus e de que, na verdade, não seria digno de batizá-lo. Uma série de outros eventos constrangedores aparece nos Evangelhos: os parentes de Jesus e os moradores de Nazaré o rejeitam como profeta, ele diz que "somente o Pai" conhece a hora da chegada do Reino, teme a aproximação da morte e, pregado na cruz, pergunta por que Deus o teria abandonado.
Homem bruto
Levando tudo isso em consideração, a fé cristã pode sair abalada ao confrontar o Jesus histórico? Os especialistas apostam que esse risco é menor do que parece. "A pesquisa histórica ajuda a compreender a atividade de Jesus e a contextualizar a fé. Pode ameaçar alguns dogmas eclesiásticos, mas não a fé propriamente dita", afirma Voigt, que também é pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IELCB).
"Creio que o processo de formação das pessoas de fé cristã deve ajudar a perceber a riqueza que se encontra no processo de interpretar os acontecimentos. Não podemos ler a Bíblia ao pé da letra. Como pessoas de fé, nossos antepassados vivenciaram processos muito criativos de leitura dos acontecimentos, atribuindo-lhes significados que, à primeira vista, não eram perceptíveis nem imagináveis. A Bíblia toda foi construída assim", pondera o padre Léo Konzen.
"Apesar de ser a personificação do Divino, Jesus era um homem bruto, pobre, tão comum que dependia de muita oração e da ação do Espírito Santo para realizar feitos. Seria muito fácil se Ele morresse na cruz tendo a certeza de que era eterno. Mas era homem e não tinha uma memória divina", diz René Vasconcelos, autor do blog Papo de Teólogo e membro da denominação evangélica Assembléia de Deus.
Essa, aliás, é uma das pedras fundamentais da fé de quase todas as igrejas cristãs: Jesus é verdadeiro Deus, mas também é verdadeiro homem. A primeira parte da frase ainda não pode ser comprovada ou refutada pela pesquisa histórica, mas a segunda também é capaz de tornar Jesus relevante para crentes - e até para agnósticos ou ateus - durante muito tempo ainda.
Onde Jesus nasceu, cresceu, pregou e morreu
Entre historiadores, há um consenso: seus últimos dias e a crucificação aconteceram em Jerusalém. Conheça as evidências mais aceitas quanto aos demais passos da vida do homem.
SÉFORIS - Metrópole da época: era um centro importante na Galiléia dos tempos de Cristo, mas rebeliões destruíram a cidade.
CAFARNAUM - Trabalho e aprendizado: vilarejo pobre habitado principalmente por pescadores, foi o destino escolhido por Jesus logo depois de ter deixado a sua Nazaré natal.
NAZARÉ - O berço: segundo o Novo Testamento, José e Maria nasceram ali. Para estudiosos contemporâneos, Jesus também.
RIO JORDÃO - Água benta: segundo os estudiosos, os cristãos têm mais é que manter o hábito de realizar batismos ali, onde Jesus passou pelo mesmo ritual.
JERUSALÉM - O fim: cidade foi o palco dos últimos dias de vida de Jesus Cristo, da sua crucificação e da primeira comunidade cristã.
MAR MORTO - Centro de documentação: localizada nas suas margens, a cidade de Qumran abrigou os manuscritos produzidos entre 250 a.C. e o período em que Cristo viveu.
BELÉM - Pista falsa?: criada em cerca de 3000 a.C., foi ocupada por gregos e, a partir de 65 a.C., por romanos. Estudos sugerem que Jesus não teria nascido nessa cidade.
O homem, o mito
Décadas de investigação revelam detalhes surpreendentes sobre a história de Cristo, como seu verdadeiro local de nascimento, sua relação com Maria Madalena e a veracidade de seus milagres.
1 - Nascimento: Cristo nasceu antes de Cristo. Os próprios Evangelhos indicam uma vinda ao mundo no fim do reinado de Heródes, o Grande, por volta do ano 5 a.C. Nosso calendário está, portanto, alguns anos atrasados, por um erro de cálculo medieval
2 - Pais: há consenso de que são Maria e José, o carpinteiro (e/ou construtor: a palavra grega comporta os dois sentidos). Jesus teria herdado a profissão do pai
3 - Terra natal: Lucas e Mateus não se entendem sobre como a família de Cristo teria chegado a Nazaré, na Galiléia (norte de Israel). É mais provável que a história do nascimento em Belém tenha sido criada mais tarde, para associar Jesus às profecias sobre o Messias
4 - Família: o dogma católico sobre a eterna virgindade de Maria levou teólogos a interpretar os "irmãos" de Jesus citados nos Evangelhos como seus primos, mas é mais provável, pelo sentido do texto grego, que Maria e José tenham mesmo tido outros filhos
5 - Estado civil: solteiro e sem filhos. Essa é a situação marital mais provável de Jesus, a julgar pelas muitas referências à sua família, mas nenhuma a mulher e filhos. Tampouco há provas confiáveis de que Maria Madalena fosse algo mais que sua discípula
6 - Batismo: Jesus certamente foi batizado por João Batista no rio Jordão: os evangelistas jamais criariam uma história embaraçosa para seu mestre, uma vez que o batismo de João servia para a remissão dos pecados - algo supostamente supérfluo para o Filho de Deus
7>>>Mensagem: o centro da pregação de Jesus era o "Reino de Deus" (para ser mais preciso, o "Reinado de Deus"): a idéia de que Deus estava prestes a iniciar uma nova fase na história do povo de Israel e da humanidade e de que o próprio Jesus era o principal arauto
8>>>Milagres: até fontes não-cristãs falam de Cristo como "responsável por atos extraordinários", entre os quais a cura de doentes. Para Jesus, tratava-se de mais um sinal da proximidade do Reinado de Deus
9 - Exorcismos: é difícil separar as curas operadas por Jesus dos exorcismos que praticava. Nem seus opositores judeus duvidavam desses atos. Para Cristo, sua vitória contra forças demoníacas mostrava que Deus estava agindo através dele
10 - Seguidores: Jesus aparentemente chamava indivíduos específicos para segui-lo, eventualmente exigindo que eles abandonassem seu emprego, sua cidade e até sua família para acompanhá-lo. Doze desses escolhidos formaram um círculo interno de seguidores, provavelmente representando as doze tribos de Israel, que seriam reconstituídas por Deus.
11 - Traição: um dos doze apóstolos, Judas Iscariotes (o significado do sobrenome é nebuloso; podia se referir a "homem de Keriot", cidade da Judéia), teria entregado Jesus. Os evangelistas provavelmente não inventariam isso: se Jesus fosse onisciente, por que escolheria um apóstolo que iria traí-lo?
12 - Crucificação: diversas fontes não-cristãs concordam com os Evangelhos. Cristo morreu crucificado a mando de Pôncio Pilatos, que governou a Judéia do ano 26 ao 36. A data mais provável para a execução de Jesus é o ano 30
Apócrifos: muito barulho por nada
Para especialistas, esses escritos perdem importância quando se constata que eles tiveram como base os Evangelhos canônicos e seguiram o gnosticismo
O menino Jesus usa seus superpoderes para matar um amiguinho e dar vida a passarinhos de barro; uma parteira anuncia que, após o parto de Cristo, a virgindade de Maria foi milagrosamente restaurada; Judas é um bom sujeito, que só traiu seu mestre quando o próprio pediu; Maria Madalena e Jesus vivem aos beijos, e a ex-endemoninhada é a discípula favorita do Messias. Bem-vindo ao maravilhoso mundo dos Evangelhos apócrifos, textos sobre a vida de Jesus que não foram incluídos no cânon, o conjunto de livros oficialmente aprovados pelo cristianismo.
Há pesquisadores que vasculham esses livros, muitos dos quais em estado fragmentário, em busca de informações valiosas que não teriam sido preservadas (ou teriam sido deliberadamente varridas para debaixo do tapete) pelos evangelistas oficiais. O esforço vale a pena? O mais provável é que não. A opinião é de John P. Meier, autor da aclamada série de livros "Um Judeu Marginal". O argumento de Meier é simples: é praticamente impossível demonstrar que os evangelhos apócrifos mais populares entre os historiadores, como o de Tomás e o de Pedro, não tenham, na verdade, usado como base os Evagelhos canônicos, os bons e velhos Mateus, Marcos, Lucas e João.
Estruturas literárias básicas, como a ordem dos ditos de Jesus, parecem seguir de perto os textos canônicos. Além disso, a datação dos apócrifos aponta para uma composição décadas ou até séculos depois dos Evangelhos oficiais. E há alguns detalhes teológicos suspeitos nas narrativas apócrifas: muitos deles seguem o chamado gnosticismo, uma vertente esotérica do cristianismo primitivo que considerava o mundo material uma esfera corrompida e naturalmente ruim da existência e pregava o acesso a um conhecimento secreto para se libertar dele. A importância do apóstolo Tomé ou de Maria Madalena nos textos gnósticos provavelmente não tem a ver com o papel histórico desses personagens, mas com o uso deles como contraponto aos sucessores de apóstolos como Pedro e Paulo, principais líderes das comunidades cristãs após a morte de Jesus.
CAFARNAUM - Trabalho e aprendizado: vilarejo pobre habitado principalmente por pescadores, foi o destino escolhido por Jesus logo depois de ter deixado a sua Nazaré natal.
NAZARÉ - O berço: segundo o Novo Testamento, José e Maria nasceram ali. Para estudiosos contemporâneos, Jesus também.
RIO JORDÃO - Água benta: segundo os estudiosos, os cristãos têm mais é que manter o hábito de realizar batismos ali, onde Jesus passou pelo mesmo ritual.
JERUSALÉM - O fim: cidade foi o palco dos últimos dias de vida de Jesus Cristo, da sua crucificação e da primeira comunidade cristã.
MAR MORTO - Centro de documentação: localizada nas suas margens, a cidade de Qumran abrigou os manuscritos produzidos entre 250 a.C. e o período em que Cristo viveu.
BELÉM - Pista falsa?: criada em cerca de 3000 a.C., foi ocupada por gregos e, a partir de 65 a.C., por romanos. Estudos sugerem que Jesus não teria nascido nessa cidade.
O homem, o mito
Décadas de investigação revelam detalhes surpreendentes sobre a história de Cristo, como seu verdadeiro local de nascimento, sua relação com Maria Madalena e a veracidade de seus milagres.
1 - Nascimento: Cristo nasceu antes de Cristo. Os próprios Evangelhos indicam uma vinda ao mundo no fim do reinado de Heródes, o Grande, por volta do ano 5 a.C. Nosso calendário está, portanto, alguns anos atrasados, por um erro de cálculo medieval
2 - Pais: há consenso de que são Maria e José, o carpinteiro (e/ou construtor: a palavra grega comporta os dois sentidos). Jesus teria herdado a profissão do pai
3 - Terra natal: Lucas e Mateus não se entendem sobre como a família de Cristo teria chegado a Nazaré, na Galiléia (norte de Israel). É mais provável que a história do nascimento em Belém tenha sido criada mais tarde, para associar Jesus às profecias sobre o Messias
4 - Família: o dogma católico sobre a eterna virgindade de Maria levou teólogos a interpretar os "irmãos" de Jesus citados nos Evangelhos como seus primos, mas é mais provável, pelo sentido do texto grego, que Maria e José tenham mesmo tido outros filhos
5 - Estado civil: solteiro e sem filhos. Essa é a situação marital mais provável de Jesus, a julgar pelas muitas referências à sua família, mas nenhuma a mulher e filhos. Tampouco há provas confiáveis de que Maria Madalena fosse algo mais que sua discípula
6 - Batismo: Jesus certamente foi batizado por João Batista no rio Jordão: os evangelistas jamais criariam uma história embaraçosa para seu mestre, uma vez que o batismo de João servia para a remissão dos pecados - algo supostamente supérfluo para o Filho de Deus
7>>>Mensagem: o centro da pregação de Jesus era o "Reino de Deus" (para ser mais preciso, o "Reinado de Deus"): a idéia de que Deus estava prestes a iniciar uma nova fase na história do povo de Israel e da humanidade e de que o próprio Jesus era o principal arauto
8>>>Milagres: até fontes não-cristãs falam de Cristo como "responsável por atos extraordinários", entre os quais a cura de doentes. Para Jesus, tratava-se de mais um sinal da proximidade do Reinado de Deus
9 - Exorcismos: é difícil separar as curas operadas por Jesus dos exorcismos que praticava. Nem seus opositores judeus duvidavam desses atos. Para Cristo, sua vitória contra forças demoníacas mostrava que Deus estava agindo através dele
10 - Seguidores: Jesus aparentemente chamava indivíduos específicos para segui-lo, eventualmente exigindo que eles abandonassem seu emprego, sua cidade e até sua família para acompanhá-lo. Doze desses escolhidos formaram um círculo interno de seguidores, provavelmente representando as doze tribos de Israel, que seriam reconstituídas por Deus.
11 - Traição: um dos doze apóstolos, Judas Iscariotes (o significado do sobrenome é nebuloso; podia se referir a "homem de Keriot", cidade da Judéia), teria entregado Jesus. Os evangelistas provavelmente não inventariam isso: se Jesus fosse onisciente, por que escolheria um apóstolo que iria traí-lo?
12 - Crucificação: diversas fontes não-cristãs concordam com os Evangelhos. Cristo morreu crucificado a mando de Pôncio Pilatos, que governou a Judéia do ano 26 ao 36. A data mais provável para a execução de Jesus é o ano 30
Apócrifos: muito barulho por nada
Para especialistas, esses escritos perdem importância quando se constata que eles tiveram como base os Evangelhos canônicos e seguiram o gnosticismo
O menino Jesus usa seus superpoderes para matar um amiguinho e dar vida a passarinhos de barro; uma parteira anuncia que, após o parto de Cristo, a virgindade de Maria foi milagrosamente restaurada; Judas é um bom sujeito, que só traiu seu mestre quando o próprio pediu; Maria Madalena e Jesus vivem aos beijos, e a ex-endemoninhada é a discípula favorita do Messias. Bem-vindo ao maravilhoso mundo dos Evangelhos apócrifos, textos sobre a vida de Jesus que não foram incluídos no cânon, o conjunto de livros oficialmente aprovados pelo cristianismo.
Há pesquisadores que vasculham esses livros, muitos dos quais em estado fragmentário, em busca de informações valiosas que não teriam sido preservadas (ou teriam sido deliberadamente varridas para debaixo do tapete) pelos evangelistas oficiais. O esforço vale a pena? O mais provável é que não. A opinião é de John P. Meier, autor da aclamada série de livros "Um Judeu Marginal". O argumento de Meier é simples: é praticamente impossível demonstrar que os evangelhos apócrifos mais populares entre os historiadores, como o de Tomás e o de Pedro, não tenham, na verdade, usado como base os Evagelhos canônicos, os bons e velhos Mateus, Marcos, Lucas e João.
Estruturas literárias básicas, como a ordem dos ditos de Jesus, parecem seguir de perto os textos canônicos. Além disso, a datação dos apócrifos aponta para uma composição décadas ou até séculos depois dos Evangelhos oficiais. E há alguns detalhes teológicos suspeitos nas narrativas apócrifas: muitos deles seguem o chamado gnosticismo, uma vertente esotérica do cristianismo primitivo que considerava o mundo material uma esfera corrompida e naturalmente ruim da existência e pregava o acesso a um conhecimento secreto para se libertar dele. A importância do apóstolo Tomé ou de Maria Madalena nos textos gnósticos provavelmente não tem a ver com o papel histórico desses personagens, mas com o uso deles como contraponto aos sucessores de apóstolos como Pedro e Paulo, principais líderes das comunidades cristãs após a morte de Jesus.
Fonte: Revista Galileu - Edição 206 - Set de 2008
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Um comentário:
Extenso, mas interessante.
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