Por Ricardo Gondim
Querido José,
Retomo à Mentoria. Não sejamos pretensiosos em achar que vamos desatar todos os nós de nossas dúvidas. Almoço e janto inquietações; acordo com pulgas atrás das orelhas. Corro como um renegado pelas ruas de São Paulo, mas não paro de meditar nos mistérios do transcendente.
Entretanto, ouso peitar essas agitações do espírito não com respostas chapadas, mas com mais indagações.
Na praça pública da internet, lembre-se, divido minhas desconfianças e coloco a cabeça no cepo. Se me atrevo a trabalhar essas questões é porque acredito que em tempos sísmicos como os atuais, é possível uma terceira via na missão cristã. Vamos ponto por ponto:
1. Precisamos resgatar as diferentes ênfases da missão de Jesus quando esteve neste mundo.
a) Qual o modelo de cristológico para a igreja? O do Cristo ressurreto e escatológico ou o do Cristo servo sofredor? (Antecipo-me em responder: o do Emanuel sofredor).
b) Por que Jesus não insistiu em formar um grupo, um movimento? Por que liberou as pessoas a voltarem para casa? Como se daria o “discipulado” do Gadareno, por exemplo, que Jesus mandou retornar à sua família?
c) As exigências de tornar-se um discípulo de Jesus não mostravam consistência programática. Para alguns ele ordenava que o seguissem, para outros que distribuíssem o que possuíam com os pobres, para outros que tivessem fé, para outros que aprendessem a amar. Por quê?
2. Precisamos entender a contribuição de Paulo de Tarso na gestação do cristianismo que prevaleceu no Ocidente.
a) A teologia paulina deve ser considerada como “uma” contribuição ou “a” principal - em alguns círculos, única chave de interpretação da mensagem de Jesus? As teologias de Pedro, João e Tiago não devem ser consideradas diferentes e até conflitantes com a de Paulo?
b) Podemos entender que para aquela determinada circunstância cultural, histórica, política e moral a abordagem de Paulo sobre o cristianismo faz sentido. Porém, dentro da teologia dos evangelhos e do próprio Jesus Cristo, existe espaço para reconceituar-se a missão cristã nos dias atuais?
c) Em que uma nova evangelização divergiria da evangelização paulina? (Continuo a antecipar-me: teríamos que reconceituar o que significa “crer”; e eu acredito que o “crer” Paulino não possuí hoje o mesmo sentido ou a mesma relevância da antiguidade).
d) Não é necessário criticar ou mutilar a teologia de Paulo, mas enquadrá-la como uma das mais ricas contribuições para a definição da fé, porém, não a única. Assim será possível ler Tiago com outra atitude. Não serão necessárias ginásticas para conciliar algumas declarações de Paulo com as afirmações de Tiago do tipo “a fé sem obras é morta”. As duas contribuições são distintas, relevantes em circunstâncias diferentes, sem serem excludentes.
3. Precisamos identificar a influência grega na formação teológica do cristianismo a partir de Santo Agostinho.
a) Está obvio que o cristianismo absorveu pressupostos gregos quando se organizou teologicamente. Nos séculos, houve uma separação acentuada do que Jesus disse à Samaritana: “A Salvação vem dos judeus”. Acredito que esta frase engloba não apenas a promessa de que o Messias seria judeu. Ao declarar que a salvação vem dos judeus, ele ligou o arcabouço conceitual da fé cristã ao judaísmo. É notório que a construção teológica atual segue uma lógica filosófica e conceitual grega, distante das narrativas míticas e poéticas dos judeus. A pergunta insiste: é possível considerar a contribuição da cosmovisão judaica sem resvalar na antiga tentação de tornar o cristianismo um movimento judaizante?
4. A Queda e seus desdobramentos – a chegada do Reino e a reconstrução de novos homens e mulheres – Esse ponto é vital para qualquer reconceituação da fé no Terceiro Milênio.
a) Como entender a queda e a universalização do pecado? Na pedagogia moderna, os processos de aprendizado precisam de espaço para o erro. Se maturidade acontece em decorrência de tropeços; “pecar” seria essencial na formação da maturidade humana. Até que ponto a humanidade está realmente danada ao fogo do inferno por ser apenas humana? Por que as narrativas do Antigo Testamento revelam em alguns casos condescendência de Deus para atos não tão dignos por parte de Abraão, Moisés, Gideão. Por que as leituras radicais do pecado de Adão e Eva no Gênesis? Será que Deus é tão punitivo e tão radical no trato de pessoas, aprendizes na difícil arte de viver?
b) O que define a exclusão de indivíduos no convívio com Deus? Existem pessoas verdadeiras, que não têm necessariamente um compromisso conceitual com Deus, mas vivem com valores parecidos com os do Reino? Cornélio? A função dos pastores do novo milênio poderia ser, transmitir os valores do Reino sem atrelar uma relação institucional com a igreja?
Bem, amigo, eis algumas inquietações que tiram o sono.
Vamos pensar mais.
Reverências,
Ricardo
Soli Deo Gloria
Fonte: Ricardo Gondim
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