sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Sobre - todos - os discursos sobre Deus, os nossos, os dos outros e o de todo mundo

Por Osvaldo Luiz Ribeiro, biblista e exegeta.

Todos os discursos sobre Deus, de todas as religiões, nossos e nossas, dos outros e de todo mundo, todos os discursos sobre Deus são invenções humanas, pura fantasia, imaginação, cultura, criados pelas mais diferentes razões - econômicas, políticas, sociais, históricas, biológicas, psicológicas.

Isso não tem o significado lógico de dizer que Deus não existe - tem o significado lógico de dizer que o Deus inserido em qualquer discurso humano é igualmente invenção humana. Todas as vezes que qualquer pessoa fala sobre Deus, é de uma coisa inventada e por meio de um modo inventado que ela fala.

Se Deus há fora da palavra humana, fora do pensamento humano, não se sabe nem jamais se saberá. Mas aquele e aqueles que nelas e neles vivem, é humaníssimo.

Incluo aí o Deus dos púlpitos. De todos.

Há aqueles que se deram conta disso e passaram a falar de Deus como quem faz poesia. A esses eu respeitaria numa única condição, quase nunca verificada: que sua audiência saiba que é poesia que se faz aí e saiba, sobretudo, o que isso significa. Fora dessa condição, merece desprezo, porque mente para si e para todos os que o ouvem.

Outro dia, uma e tal da manhã, eu mesmo ouvi um "teopoeta" falar de Deus na TV, pregar Jesus igualzinho a todos os pregadores da fé e da convicção inabalável - e não contive uma revolta nas tripas...

Quando ouço qualquer pessoa, amigo ou não, falar de Deus e ainda chamar outras racionalizações tão criativas e imaginativas quanto a sua - com o mesmo grau de substância, com a mesma profundidade de massa -, de tolice, quase chego a gostar do fundamentalista: pelo menos ele não se mete a intelectual (às vezes; quando o faz, o resultado é ridículo).

Sou (acho) amigo de muito pregador, muito pastor, muito cristão, muito crente. Todavia, Amicus Plato, sed magis amica veritas.

É uma pena. Eu acredito que é possível conciliar vocação pastoral, terapêutica, com as informações que temos desde o século XIX. Mas é uma pena que a pregação se faça para uma audiência que, ela sabe, não tem condições de a pôr no seu lugar.

Podia ser tão diferente... Não é preciso fazer as pessoas de bobas para cuidar delas. Fazê-las de bobas só as torna mais doentes. Há caminhos mais honrados por onde se pode ir.

Mas se vai pelo caminho mais fácil.

Nem sempre o mais ético.

PS. Se você espreme contra a parede um púlpito esclarecido, ele confessará que sabe do que você está falando, mas se a audiência desconfiar do que estamos falando, caos. Não preciso dizer mais nada. Quanto aos púlpitos que não têm sequer condição de entender do que estamos falando, bem, essa é outra história, conquanto seja, ainda, a mesma tragédia. Porque ninguém precisa saber que o pé está a pegar fogo para que o pé esteja a pegar fogo...

Fonte: Peroratio

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