Por Ricky Gervais, no The Wall Street Journal
No último Natal escrevi um texto chamado “Uma mensagem de festas de Ricky Gervais: porque eu sou ateu”.
O Wall Street Journal o reproduziu e isso causou um certo rebuliço. Pediram-me até para responder a alguns dos comentários. Nesta Páscoa pensei em fazer outro texto. Aqui está:
Mensagem de Páscoa de Rick Gervais: porque sou um bom cristão
O título deste texto pode parecer um pouco enganoso, ou pelo menos enigmático. Naturalmente, não sou um bom cristão como os que dizem acreditar que Jesus era metade homem e metade Deus. Mas certamente acredito que sou um bom cristão comparado com um monte de cristãos que conheço.
Não que acredite que os ensinamentos de Jesus, se fossem seguidos, não fariam desse um mundo melhor. É que eles raramente são seguidos.
Gandhi conseguiu resumir bem isso. Ele disse: “Gosto do seu Cristo, mas não gosto de seus cristãos. Seus cristãos são tão diferentes de seu Cristo”.
Sempre me senti assim, mesmo quando acreditava em Deus. De um modo estranho, sinto que ainda sou um “cristão” muito bom, que apenas não acredita em Deus.
Muitos cristãos acreditam que pelo fato de acreditar no Deus certo, são automaticamente bons e têm uma passagem só de ida para a vida eterna. Atrevo-me a dizer que suspeito ser essa a razão principal para eles acreditarem. Já ouvi tantos “crentes” dizendo: “Bem, já que não há como ter certeza se há um Deus ou não, é melhor acreditar em Deus do que não acreditar. Sendo assim, se você estiver errado não fará diferença, e se você estiver certo, ganha a vida eterna”. Assim todos ganham.
Este é o conhecido desafio de Pascal. Presume que Deus, se ele existir, recompensaria a fé cega mais que a lógica de viver uma boa vida sendo ateu.
Aliás, para o Deus dos cristãos é tão ruim acreditar no deus errado quanto não crer em deus nenhum. A ideia de outros deuses é certamente ridícula para os cristãos. Tolices sobrenaturais. Como se existisse um Zeus; superstição estúpida, antiga e ignorante. E mesmo que existissem outros deuses (e certamente não existem), então o Deus dos cristãos é o melhor. Mais forte, mais esperto… simplesmente melhor. Ele riria de Zeus e o chamaria de um bêbado grego. (Duvido que Deus seja racista e homofóbico, mas a Bíblia não é clara. Algumas vezes fala sobre amor e igualdade e outras diz que você não deve confiar em certas pessoas, e que deitar com um homem como faria com uma mulher é algo punível com a morte, um pouco doentio e maligno).
Então lembre. Se você é gay, está “dando pinta para Satanás” (isso daria uma camiseta bastante engraçada).
Jesus era um homem (e se você esquecer toda essa besteira sobre ser metade Deus e acreditar nos atos sobrenaturais atribuídos a ele; era um homem cujas palavras sábias muitas pessoas ainda seguiriam). Sua mensagem era geralmente sobre perdão e bondade.
Estas são virtudes maravilhosas, mas tenho visto elas serem rejeitadas por muitos dos chamados tementes a Deus, quando isso lhes convém. Eles basicamente escolhem o que lhes interessa obedecer do seu “livro de regras”. Tenho visto tanta crueldade e preconceito demonstrado em nome do Cristianismo (e de muitas outras religiões também) que me faz pensar se não há um exagero na leitura seletiva da Bíblia e na reinterpretação das doutrinas.
Deus ou não, se eu pudesse mudar uma coisa para um mundo melhor, seria que toda a humanidade seguisse essa pequena jóia: “Aquele que não tem pecado atire a primeira pedra”. Garanto a você que nenhuma pedra jamais seria atirada novamente.
Então, talvez devêssemos voltar ao básico, para tentar descobrir como tudo ficou confuso.
Os Dez Mandamentos
Os Dez Mandamentos são encontrados no Antigo Testamento da Bíblia. Livro de Êxodo, capítulo 20. Eles foram dados diretamente por Deus ao povo de Israel no Monte Sinai, depois que ele os libertou da escravidão no Egito:
“Então falou Deus todas estas palavras, dizendo: Eu sou o Senhor teu Deus”.
Então vamos fazer o teste. Quantos desses você já quebrou?
UM – “Não terás outros deuses diante de mim.”
Eu definitivamente não tenho. Excelente. Ganho um ponto.
DOIS – “Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.”
Isso significa, basicamente, não fazer ou adorar uma estátua religiosa ou se prostrar diante isso pensando que é algo santo. Confere. Outro ponto para mim.
TRÊS – “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão.”
Nunca faço isso. Mas deixe-me explicar algo. A maioria das pessoas pensa que o terceito mandamento significa que não devem usar seu nome como palavrão, por exemplo gritando “Oh, meu Deus!” quando batem o dedinho do pé em vez de “Ah, que m****!”.
Esse não é o caso (embora eu goste da idéia de que Deus prefere que eles gritem “m****” em vez de falar “Deus”. Isso é legal. Mas não).
O mandamento também poderia ser: “Você não deve ter o nome do Senhor teu Deus por ‘vaidade’, por exemplo, quando o seu inimigo é ferido ou derrotado, dizendo: ‘isso é a ira de Deus’, ou quando você ganha um prêmio, dizendo: ‘graças a Deus’.”
Isso é usar o nome dele por vaidade. Sugere que você sabe que Deus o ajudou a ganhar algo porque merecia mais que os outros, ou porque estava do seu lado. Sempre me divertiu a ideia que Deus ganharia como ator favorito no Globo de Ouro, caso concorresse.
De qualquer forma, ganho outro ponto. Acho que a maioria dos não-ateus perderá um ponto aqui.
QUATRO – “Lembra-te do dia do sábado, para santificá-lo.”
Antes de pontuar isso, precisamos descobrir o que realmente significa quando Deus nos ordena a santificar o dia de sábado. Nessa compreensão o que vale é a verdadeira intenção da palavra de Deus, não importa que dia da semana celebramos o sábado.
Não havia calendários quando Deus criou os céus e a terra, logo não sei que dia ele começou e terminou. Não deixe que o “dia” torne-se mais importante do que a “intenção”.
Se olharmos para a parte de Os Dez Mandamentos que se refere a isso, Êxodo 20:8-11, parece ser algo bem específico:
8 Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. 9 Seis dias trabalharás, e farás todo o teu trabalho; 10 mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o estrangeiro que está dentro das tuas portas. 11 Porque em seis dias fez o Senhor o céu e a terra, o mar e tudo o que neles há, e ao sétimo dia descansou; por isso o Senhor abençoou o dia do sábado, e o santificou.
De acordo com a Bíblia, Deus mandou santificar esse dia. Mas o que isso realmente significa?
O trabalho é basicamente o que fazemos para ganhar a vida, ou o trabalho que fazemos em casa, ou qualquer trabalho que tomemos parte diariamente. Então, se nunca trabalhamos significa que todo dia seria santo? Não. Isso absolutamente não é ser santo. Em vários lugares na Bíblia somos informados de nossa necessidade de trabalho, que nosso trabalho honra a Deus. Então, basicamente você tem de trabalhar o equivalente a seis dias por semana com um dia de folga.
Eu faço isso. Logo, recebo um outro ponto.
CINCO – “Honra a teu pai e a tua mãe.”
Acho que ganho um ponto se mais alguém ganhar também com esse aqui.
SEIS – “Não matarás.”
Não faço isso. Confere.
SETE – “Não adulterarás.”
Não faço isso. Confere.
OITO – “Não furtarás.”
Não faço isso. Confere.
NOVE – “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.”
Não faço isso. Confere.
DEZ - “Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo.”
Não faço isso. Confere. Outro ponto para mim.
Nada mau para um ateu.
Eu fiz 10 dentre 10.
E você, como foi?
Mesmo que isso não prove que sou um bom cristão, prova que a Bíblia é um pouco inconsistente, aberta à interpretação e até mesmo um pouco intolerante.
Isso não é característico do cristianismo, para ser justo. E eu gosto de ser justo. Porque ao contrário de TODAS as religiões, sendo ateu, eu trato todas as religiões do mesmo modo.
Fonte e Tradução: Agência Pavanews (PavaBlog)
Um comentário:
Infelizmente existirá aquele crente besta que, após ler este texto, vai encher o saco dizendo: Ah! Mas o que faz alguém ser cristão é a fé em Jesus Cristo como Senhor e Salvador blábláblá-eueueu"
Eu digo o seguinte: não interessa! O fato é que muitos dos que se dizem cristãos abandonaram o compromisso ético de Jesus e abraçaram um moralismo nojento através dessa fé cômoda de que basta crer em Jesus que está tudo certo. Fé que mais serve de justificativa para hipocrisia do que pra qualquer outra coisa.
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