Por Osvaldo Luiz Ribeiro, biblista e exegeta.
O título deste artigo é uma citação de João 1,18. É uma afirmação importante no conjunto da teologia joanina, porque Jo 6,46 vai insistir nela: “não que alguém tenha visto o Pai”, e 1 Jo 4,12 vai praticamente repeti-la: “ninguém jamais contemplou a Deus”. Importante também porque ela sempre se faz acompanhar de um contraponto. Em Jo 1,18, diz-se que “o Filho Único, que estava voltado para o seio do Pai, este o deu a conhecer”; em Jo 6,46, inscreve-se uma ressalva teológica: “só aquele que vem de junto de Deus viu o Pai”; e, finalmente, não tão evidentemente, 1 Jo 4,12 desenvolve o tema do “estar com Deus”, apesar de não se poder “ver Deus”, consoante o argumento do “amor ao outro” (1 Jo 4,11-16), porque Deus está no outro (cf. 11 Jo 4,17-5,4, especialmente 4,20).
Por essa linha de argumentação, a afirmação de que ninguém jamais viu a Deus parece deixar de ser apenas uma afirmação teológica, e se converte no arrimo de uma afirmação apologética, de defesa de uma determinada configuração de fé. Penso assim, porque, se ao mesmo tempo em que se diz que ninguém jamais viu a Deus, se diz que só o Cristo viu a Deus, devo inferir que o que se pretende é afirmar que só o Cristo tem algo a dizer efetivamente válido sobre o Pai, sobre Deus, porque só ele o viu. Só no Cristo o Pai está...
Aliás, toda a argumentação do prólogo do Evangelho, e do prólogo da primeira epístola joanina é justamente essa – dizer que o “verbo” foi encarnado (Jo 1,14), logo, visto, ouvido, tocado (1 Jo 1,1-3). Essa ênfase na encarnação do verbo, na carnalidade, na corporeidade do Cristo, condiz com o argumento de que o Filho viu o Pai, coisa que nenhum outro o teria feito. Sim, porque então se produz o seguinte efeito apologético, de defesa: ninguém jamais viu o Pai à o Filho viu o Pai à o Filho/Verbo se fez carne à “nós” (leia-se “João”, ou seja, a comunidade joanina por trás do Evangelho e das epístolas joaninas) viram e ouviram o verbo, e tocaram nele à “nossa” alegria pode ser completa, isto é, porque agora pudemos ver, ouvir e tocar, porque o Filho revelou o Pai.