quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Jesus é nascido em Chanuka

Por Nilton Bonder

Jesus, para o Judaísmo, é um personagem histórico, um judeu. Nasceu como tal, viveu como tal e morreu como tal. Não um judeu comum, mas um líder espiritual e mártir envolvido com a luta de sobrevivência de seu povo em meio à invasão romana. Uma invasão que não lavava as mãos, mas representava o poder vigente do conquistador. Jesus, que falava através de sua tradição e pregava o uso radical da solidariedade, falava ao fraco, ao órfão, à viúva e ao estrangeiro _ preocupação fundadora dos Salmos judeus.

Se o descrito acima é verdade, como explicar a relação de Jesus e o Judaísmo como uma das maiores questões mal resolvidas da civilização ocidental? Como é possível que Jesus seja o "divisor de águas'' entre o que é compreendido como judeu e não-judeu entre as tradições bíblicas? Para isso teríamos que analisar não tanto a religião, mas a história e a política. Gostaria mesmo é de me aprofundar nas similaridades e não nas distinções dos mitos judaico-cristãos.

É inverno e as noites são as mais longas do ano. É frio e a lua é nova. As trevas tomam conta do Hemisfério Norte. Um antigo ritual de celebrar as luzes em meio à escuridão fala da esperança, conhecida da experiência humana, de que as longas noites darão lugar a noites mais curtas. O inverno cederá à primavera e à luz, escassa no ápice do inverno, terá sua semente plantada justamente nesse breu. A noite seguinte ao solstício de inverno, a mais longa de todas as noites, graças a D'us, será menor.

Essa celebração antiga, de tempos imemoriais da civilização agrícola, havia ganho uma dimensão histórica para a nação judaica. Pouco mais de dois séculos antes de Jesus, sob a invasão militar e cultural helênica, um levante marcaria profundamente o imaginário da nação. Sob sanções que lhes impediam de preservar sua tradição além de sua autonomia política, um grupo liderado pela família dos Hasmoneus levantou-se contra o poderoso exército grego. Numa luta de escaramuças e subversão conseguiram o impossível _ não só venceriam, restaurando uma dinastia judaica, mas reconquistariam seu símbolo de unidade nacional _ a cidade de Jerusalém e o Templo sagrado. No Templo conspurcado pela intervenção invasora não havia mais óleo para acender a chama eterna que simbolizava o funcionamento da vida espiritual do povo. Eis que um último recipiente com óleo sagrado ainda estava lacrado. Seu conteúdo não supriria mais do que poucas horas. No entanto, a luz permaneceu acesa por oito dias.

Esta é a festa de Chanuká, a festa das luzes, para a tradição judaica, que ocorre no período do Natal. Ela comemora a certeza de que quando se pensa que não há mais como manter a chama acesa, se descobre o necessário para durar para além do tempo. O número oito (oito dias) é simbólico da transcendência do tempo. Para os judeus, a unidade principal de tempo _ a semana _ desmarcava que ao final do sétimo dia se seguisse o primeiro (domingo) e não o oitavo dia. O oitavo dia é o dia após o tempo. O candelabro ardendo por oito dias é símbolo do que não se apagará jamais. Os judeus passaram então a celebrar o acendimento de velas por oito dias, acrescentando uma a cada dia durante a festa de Chanuka. Essa era a sua maneira de vencer as trevas _ lembrar do ciclo que resgata as luzes. Ao olhar as velas, os judeus passam de geração em geração uma certeza de valor espiritual profunda _ D'us te ama.

A luz é esta presença que está até na mais escura das noites. A "noite'' passou a ser simbólica do exílio. O escuro é um lugar que fica a caminho da luz. Para chegar à alvorada é necessário viver-se a madrugada. E todo aquele que sensibiliza seus olhos na escuridão começa a enxergar. As luzes que vencerão a invasão, o exílio do passado, venceriam também a invasão do presente.


Jesus é nascido em Chanuka. Seu mito é o mito das luzes em meio à escuridão. É a luz que acolhe o fraco em meio à escuridão do poder e da opressão. Na dimensão individual representa a restauração do templo, da vida, em nossas almas. Quantas vezes estamos descaídos sem energia vital, sem direção e descobrimos em nós o "óleo lacrado'' para dar continuidade à luz? A surpresa dessa descoberta é a famosa "conversão'' de que muitas tradições cristãs falam e o judaísmo através da "teshuvá'' _ o retorno ao caminho.

Não é por acaso que os judeus acendem luzes em seu candelabro de oito braços. O candelabro é representativo da "árvore da vida'', com seus troncos abertos aos céus. Luzes em árvores. Árvores que estão nuas no inverno mas nas quais percebemos em meio a seu cinza a luz vibrante da vida. Reinaugurar a vida e manter a chama acesa são as mensagens de Chanuka e do Natal, do nascimento daquele que é luz para a tradição cristã. E por que os judeus não celebram a luz de Jesus? Porque a linguagem e o imaginário judaico não passam pela forma humana. Abraão, Moisés e David são sempre apresentados em seu aspecto humano. Essa foi uma fusão com a linguagem romana que aconteceria mais de dois séculos depois do tempo de Jesus. Para os judeus a "luz'' é filha de D'us e é assim que ele está em todos nós. A "luz'' vem do estudo, da inspiração e da ação junto aos outros.

Jesus guarda um grande segredo para judeus e cristãos. Para os judeus ele não é nada mais do que eles mesmos. Se presente entre nós, poderia assumir o culto de uma sinagoga e liderar na leitura da Torá. Para os cristãos, ele que é "filho de D'us'', o mais próximo de todos, é o "outro'' _ um judeu.

Um dia, tal como Jacób e Esaú fizeram, ao reencontrarem-se judeus e cristãos vão dizer a mesma coisa: Eis que olhar a tua face é como olhar a face de D'us. Ou talvez: Tu que eras o outro, nada mais és do que eu. Neste reencontro está o sonho de um mundo melhor. Onde a luz é transcender a escuridão da diferença. No entanto, não é nunca livrar-se dela. Pois a luz que dá esperança vem do meio do breu. Não é luz apenas, mas a luz que nos faz ver luz.

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