Por Nilton Bonder
Uma das lutas fundamentais dos "direitos humanos" é contra o desejo de "convencer"e "converter". A idéia que norteia nossa civilização ocidental é que para um lado ter razão o outro tem que, necessariamente, estar errado. Conta-se que um rabino foi certa vez consultado sobre um litígio. Uma das partes envolvidas apresentou seu caso e o rabino aquiesceu: "você tem razão". A outra parte também apresentou sua argumentação e o rabino reconheceu: "você também tem razão". Seu assistente que o acompanhava, atônito questionou o mestre: "isto é um litígio, como pode ser que este tem razão e aquele tem razão?". O rabino concordou: "você também tem razão". Exige sabedoria resgatar o rabino da patética condição de alguém que concorda com qualquer argumentação e compreender seu ensinamento acerca de uma "razão" que não é indivisível ou única. Para nossa dificuldade, a realidade é sempre composta de vários certos. A democratização do "certo" é talvez o mais importante ato de cidadania e de espiritualidade de nossos tempos.
Mais importante talvez do que a memória e o julgamento do passado, seja a capacidade de identificar em nosso tempo as atitudes que ainda hoje representam as forças do convencimento. Elas estão por todas as partes travestidas de intolerância.
Os que "precisam convencer" são aqueles que acreditam que a vida é uma caminhada que deve chegar a algum lugar onde suas vivências e seus valores serão comparados às vivências e aos valores dos outros. Os que "não precisam convencer" não percebem a vida como um mega-"vestibular". Não há primeiros colocados, nem sequer aprovados e reprovados por parâmetros externos e excludentes. Não há salvos e perdidos. Existe sim a possibilidade de não sofrer de desespero para todos os que vivam suas vidas com reverência, integridade e intensidade.
Há neste mundo os que "vivem e deixam viver" e há no mundo os que precisam afirmar suas certezas provando e apontando o "outro" como errado. Um dia iremos concordar que só existe um parâmetro externo para definir o "certo" e o "errado". Certo é qualquer coisa que não queira convencer ou impor a vontade de um sobre o outro. Errado é a postura do convencimento.
Tanto convencido quanto o que convence são perdedores. O julgamento da vida se baseia em duas listas de acusação: as ocasiões em que fomos convencidos e as ocasiões em que convencemos. Nossa identidade e nosso senso de presença são experimentados quando não estamos nem na condição de convencidos ou de convencer. A própria alegria depende do quanto somos convencidos pelos outros e do quanto convencemos os outros. Quanto mais convencidos e convencemos, mais tristes e insatisfeitos nos tornamos; maior nosso senso de inadequação; maior nossa insegurança e maior o nosso medo.
O convencimento nos rouba a vitalidade fundamental de nossa própria raiz e nos faz dependentes do outro para definir a nós mesmos. O convencimento é uma inveja dissimulada. Hospedeiro do mal, ele se instala em todas as áreas estagnadas e alienadas de nossa vida e lá deposita suas larvas.
Podemos erradicar o "convencimento" do mundo com uma ação "sanitária" cuidadosa e organizada. Podemos nos educar a ponto de termos "tolerância zero" com a intolerância. O reconhecimento dos erros do passado é um importante passo, mas apenas aumenta a responsabilidade. Isto porque a História julgará a todos não por sua consciência do erro, mas por sua capacidade de evitar repeti-lo.
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