quarta-feira, 9 de março de 2011

Carta de um prisioneiro de Guantánamo

Por Jumah Al-Dossari, 11/01/2007
Base Naval Americana da Baía de Guantánamo, Cuba


Estou escrevendo na escuridão do campo de detenção americano de Guantánamo com a esperança de que eu consiga fazer com que nossas vozes sejam ouvidas pelo mundo. Minha mãos tremem enquanto seguro a caneta.

Em janeiro de 2002, fui apanhado no Paquistão, vendado, acorrentado, drogado e despachado em um avião para Cuba. Quando descemos em Guantánamo, não sabíamos onde estávamos. Eles nos levaram para o Campo Raio – X e nos trancaram em jaulas com apenas dois baldes, um vazio e outro cheio de d’água. Fomos instruídos a urinar em um deles e a nos lavarmos com o outro.

Em Guantánamo, soldados me agrediram, me colocaram em confinamento solitário, ameaçaram matar a mim e a minha filha e me disseram que eu iria passar o resto da minha vida em Cuba. Eles me privaram de sono, me forçaram a ouvir música em volume extremamente alto e iluminaram meu rosto com luzes fortíssimas. Eles me mantiveram em salas geladas durante horas, sem comida, água ou o direito de ir ao banheiro ou me limpar antes das minhas orações. Eles me embrulharam na bandeira israelense e me disseram que está havendo uma guerra santa da estrela de Davi e da Cruz contra a Lua Crescente. Eles me bateram até eu perder a consciência.

O que escrevo aqui não é fruto da minha imaginação ou algo ditado pela minha insanidade. São fatos testemunhados por outros detentos, representantes da Cruz Vermelha, interrogadores e tradutores. Durante meus primeiros anos em Guantánamo fui interrogado muitas vezes. Meus interrogadores me disseram que queriam que eu confessasse ser da Al-Qaeda e que eu estava envolvido de alguma forma com os ataques terroristas contra os Estados Unidos. Disse que não tenho conexão alguma com nada disso. Não sou um membro da Al-Qaeda. Nunca encorajei ninguém a lutar pela Al-Qaeda. Osama bin Laden e a Al-Qaeda não fizeram nada além de matar e denegrir uma religião. Nunca lutei ou carreguei uma arma comigo. Gosto dos Estados Unidos e não sou um inimigo. Já morei nos Estados Unidos e quis me tornar um cidadão americano. Sei que os soldados que fizeram mal a mim representam eles mesmo, e não os Estados Unidos. E eu tenho de dizer que nem todos os soldados americanos em Cuba nos maltrataram ou torturaram. Há soldados que nos tratam de forma humana. Alguns deles até choram quando nos vêem nessas situações. Uma vez, no Campo Delta, um soldado pediu desculpas a mim e me ofereceu chocolate quente e biscoitos. Quando agradeci, ele disse: “ Eu não preciso que você agradeça a mim”. Escrevo isso para que os leitores não pensem que acuso todos os americanos.

Mas, por que, depois de cinco anos, não há conclusões a respeito da situação em Guantánamo? Por quanto tempo pais, mães, esposas, irmãos e filhos irão chorar pelos seus entes queridos aprisionados? Por quanto tempo minha filha terá que perguntar quando irei voltar? As respostas só poderão ser encontradas entre as pessoas justas na América.

Eu prefiro morrer a permanecer aqui para sempre. Já tentei cometer suicídio várias vezes. O propósito de Guantánamo é destruir pessoas, e eu fui destruído. Não tenho esperanças, porque nossas vozes não são ouvidas aqui das profundezas do campo de detenção.

Se eu morrer, por favor lembrem-se de que houve um ser humano chamado Jumah em Guantánamo, cujas crenças, dignidade e humanidade foram abusadas. Por favor, lembre-se de que há centenas de detentos em Guantánamo que sofrem as mesmas coisas. Eles não são acusados de cometer crimes. Eles não foram acusados de praticar nenhuma ação contra os Estados Unidos.

Por favor, mostrem minhas cartas ao mundo. Deixem o mundo lê-las. Deixem o mundo conhecer a agonia dos detentos em Cuba.

Fonte: Revista Galileu - Abril/2007 - Nº189

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