Por Huffington Post. Tradução: Agência Pavanews
Vamos começar assim: sabemos que a decisão de nossa família soa um pouco maluca. Afinal, quantas famílias escutam quando sua filha adolescente insiste em vender sua casa e doar metade do dinheiro para a caridade? Eu admito, nosso projeto parece bobo, impetuoso e talvez até irresponsável.
Mas foi o que fizemos. Um dia, no outono de 2006, estávamos parados em um cruzamento bem próximo de nossa casa em Atlanta. Hanna, nossa filha de 14 anos, notou uma linda Mercedes preta parada à sua direita enquanto um homem miseravelmente vestido pedia comida à sua esquerda. Perceber esse contraste a fez ficar com raiva e depois a incentivou a fazer algo.
Na urgência de Hannah em ajudar a diminuir as disparidades entre o “ter e o não-ter” de nossa sociedade, vendemos a casa de nossos sonhos e mudamos para outra com a metade do tamanho. Passamos também a doar metade dos nossos rendimentos para ajudar pessoas de diferentes partes do planeta.
Agora, três anos e meio depois, estamos eufóricos ao ver os agricultores de Gana que plantavam apenas para sua subsistência transformarem suas vidas. Eles estão saindo da linha de pobreza e alcançando a independência financeira com a ajuda do The Hunger Project [Projeto Fome]. O Hunger é uma ONG de Nova York sem fins lucrativos que ajudamos. Ao mesmo tempo, ficamos maravilhados ao ver como nossa família também mudou.
Há uma pergunta ouvida por nós seguidamente desde que começamos esta jornada: “Entendo que uma garota de 14 anos fique horrorizada com os problemas do mundo e por isso pediu para venderem sua casa… [Normalmente há uma pausa aqui, um velado “Isso pode soar brega”]. Mas, por que vocês, os pais, concordaram fazer isso?”
Minha esposa e eu discutimos essa questão e concluímos que nossas ações são perfeitamente coerente em dois aspectos: o conceito de abundância e a emoção do amor.
Vamos começar com abundância. Durante a vida, é fácil nos encontrarmos olhando o mundo pelas lentes da insuficiência. Por que eu fico sem dinheiro? E se eu não conseguir deixar o suficiente para meus filhos? E se meus colegas tiverem mais coisas do que eu?
Esse tipo de pensamento nos deixa muito enrolados. Eles nos levam a desenvolver uma mentalidade acumulativa – a crença de que poderemos perder tudo aquilo de que não guardamos. Talvez não agora, mas em algum momento sentiremos falta. São o centro de campanhas publicitárias que distorcem a realidade. Lembro-me de um famoso anúncio de uma loja de diamantes: “Ela já sabe que você a ama. Agora todos os outros também saberão”. Será?
Perdemos a noção do que realmente nos faz feliz, substituindo amor pela comunidade e pelos relacionamentos por amor a coisas. Nossa família também estava acostumada a acumular bens, desde carros modernos até a casa dos nossos sonhos, sempre crendo que precisávamos de mais coisas novas para completar nossa vida. Uma mentalidade competitiva, mas de insuficiência, tentando nos equiparar às famílias dos vizinhos de nossa rua, de nosso bairro e assim por diante.
No entanto, o pedido de Hannah paralisou a família naquele dia em 2006, nos forçando a reexaminar nossas motivações e decisões. Começamos a imaginar o quanto era o suficiente para nós. Do que realmente precisávamos? As respostas nos sacudiram. Estávamos cheios de dádivas. Mas Hannah pediu a coisa mais valiosa que tínhamos: nossa casa. Ela era um símbolo de nossa abundância, não de escassez. O mesmo não valia para todo o resto? Nosso tempo, nosso dinheiro, nossas posses. Nós tínhamos muito!
Desde aquele momento, o quanto mais examinamos essa vida abundante, mais compreendemos que todos têm mais do que suficiente em algum aspecto de sua vida. Você passa 6 horas por semana numa rede social como o Facebook? Corte isso pela metade e terá 3 horas para ajudar em uma casa de repouso ou limpar um parque em sua vizinhança. Comer fora 4 vezes por semana? Corte pela metade e invista o que economizou em um sopão para pessoas carentes. Se possível ajude a servir as refeições. Tenha uma vida de abundância, não de escassez.
Isso nos leva a pensar sobre o amor. Como disse antes, vivemos em uma cultura em que amor e consumismo estão entrelaçadas. Amamos nosso carro, amamos nossa TV nova. Amor significa nunca precisar dizer que sente muito não poder comprar para seu filho aquilo que ele queria.
Nossa família estava no centro da tempestade. Se você ama seus filhos, compra para eles aulas de dança, roupas novas, uma bicicleta reluzente. Em nosso caso, compramos a casa de nossos sonhos como expressão subconsciente de nosso amor. Aquela casa espaçosa ofereceria todo o espaço necessário para nossos filhos trazerem seus amigos e talvez até se exibirem um pouco.
Mas algo engraçado aconteceu. Em nossa grande casa, paramos de nos comunicar. Ficávamos espalhados em diferentes lugares, fisicamente e espiritualmente longe uns dos outros. A casa começou a enfraquecer nosso amor, ou pelo menos nossa habilidade de expressar esse amor.
Então, quando nossa filha nos instigou a vendê-la, estava nos empurrando para restaurar nossa comunicação, nossa conexão, nosso amor familiar. Em nossa nova e pequena “meia” casa, vivemos uns com os outros e não mais apenas perto uns dos outros. Interagimos mais, nos empenhamos mais, conversamos mais, debatemos mais, nos tocamos mais e amamos mais.
E mais uma coisa: com o dinheiro que ganhamos com a venda da grande casa, pudemos ajudar a gerar uma nova fonte de esperança para mais de 30.000 pessoas em Gana. É bom saber que todos compartilhamos o planeta e agora essas pessoas acordam pela manhã sabendo que podem oferecer mais oportunidades para seu filhos e netos.
Isso vale mais que o preço da casa.
*Kevin Salwen escreveu junto com sua filha Hannah, The Power of Half: One Family’s Decision to Stop Taking and Start Giving Back [O Poder da Metade: a decisão de uma família em parar de adquirir e começar a dar]. A obra ainda é inédita no Brasil.
Fonte: Pavablog
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